Fotografia de John Paynter (PAYNTER, 1972) |
Ana Caroline. P. Peres
Partindo do ponto de vista da área da educação, lecionar música nos dias atuais é um grande e maravilhoso desafio. A aula de música acaba sendo um espaço para o aluno criar, ser, fazer, descobrir e desenvolver potencialidades a cerca da musicalidade dentre outras faculdades. É uma aula onde se trabalha puramente com a expressão integral do ser (mente, corpo, emoções) através das relações sociais onde o indivíduo está inserido e do contato com a música.
Num primeiro momento por já ter tido contato anteriormente e afinidade com os escritos da prof. Marisa Trench Fonterrada, decidi cursar a matéria para me aprimorar justamente na área da educação enquanto professora e na realidade acabei também me aprimorando a nível pessoal, pois nesse misto de estudos também – enquanto alunos – vivenciamos o espaço para ser, criar, brincar, fazer, descobrir e desenvolver potencialidades.
Diante de alguns autores que vimos como Bernadete Zagonel, Schafer, Chefa Alonso, Sloboda, Suzane Langer, Guy Reibel e em suma John Paynter, fica claro o valor que ressaltam sobre como a música e seus parâmetros são importantes para a formação, desenvolvimento e aprendizagem humana.
Alguns lembretes que considero importantes para área educação musical:
- Estar aberto para escutar novas possibilidades;
- Cultivar a sensibilidade auditiva, a percepção sonora dos alunos;
- Música na primeira infância e o brincar musical são importantes: o bebê, a criança necessita conhecer o mundo que a cerca, então explorar os elementos sonoros (forma, tamanho, timbre, material, etc.) jogar, bater, tocar, mexer, balançar, dentre outros, contribuem para seu desenvolvimento. Todo estimulo e convite à imaginação e ao imitar (gestos, expressões e movimentos) contribuem para seu desenvolvimento.
· Música é linguagem e também comunicação, portanto expressão. É necessário proporcionar um “ambiente facilitador à expressão e produtivo em grupo” (setting), que possibilite aos alunos liberdade para criar, improvisar, recriar, trabalhar com o inusitado, individualmente e em grupo, além, também tem o intuito de proporcionar o conhecimento de um repertório mais vasto para que aos poucos o indivíduo possa ir formando e expandindo parte de sua identidade sonora, enquanto parte inserida em uma cultura.
A minha prática:
Dadas algumas propostas realizadas nas aulas, sugeri aos meus alunos algumas vivências e o retorno foi muito positivo. Trabalhei com artes e música em um primeiro momento, com a proposta do Falling Leaves (que por sinal foi a que mais gostaram independente da idade). O ato de imaginar as folhas caindo e após representarem com a voz, escolhendo sons, depois com notas e frases, depois descontruindo as sequências foi sensacional. E o registro plástico dessa expressão foi importante para eles, cada aluno teve uma maneira de colocar na folha de papel o que vivenciou com diferentes materiais (giz, tinta, caneta, lápis de cor.)
Trabalhei também com elementos atuais e antigos, através de vídeos musicais (Clips atuais em desenho e em filme), onde as crianças num primeiro momento veriam o vídeo, após imitariam e após criariam um meio de acrescer as vivências propostas no mestrado como “Falling Leaves”, “Pirâmide”, etc. naquela música.
Para cada turma um vídeo e como exemplo, cito um aqui: “O soldadinho de chumbo”- (Fantasia 2000: Desenhos Orquestrados) realizada com o primeiro ano, onde as crianças remontaram cenas da peça e dançaram, escolheram algumas propostas do Paynter e Schafer, e apresentaram para seus colegas. Ajudei-os a simplificarem as propostas e a pensarem como poderiam fazer e o legal foi ver que incluíram as propostas, trouxeram novos elementos como: bolinhas de sabão, (bolaram toda uma partitura para o assoprar das bolhinhas, em que cena assoprariam, quantas bolinhas, qual altura das bolhinhas...) e acima de tudo se divertiram, creio que esse seja também um ponto fundamental para que o aprendizado ocorra: a diversão!
Há muitos vídeos, mas dois que percebi que podem ser trabalhados dessa forma e aprovados por crianças de 11 e 12 anos de idade são Happy do Pharrell (música tema do desenho: "Meu malvado favorito 2) e Ready to go do Panic (que aborda alguns filmes antigos como Marry Poppins, Dançando na chuva, etc.) onde as próprias crianças podem ter a liberdade de também adaptarem as propostas e as vivenciarem com materiais diversos: como bolas gigantes, baquetas, tecidos, instrumentos de percussão, além de trabalharem a coordenação, a interação entre eles, ritmo, memória, etc.
A partir dessas vivências eles também criaram novas idéias para a aula de música, propuseram criar novas histórias musicais com uma moral: como por exemplo:
“A branca de neve zumbi e o Frankstein”;
“A bela adormecida e o lenço de ouro”;
Os três porquinhos milionários”;
Onde se basearam em um filme do momento escolhido por eles: “Malévola”. Também criando o texto, poemas e realizando a sonosplastia dos elementos. Show!
E além do esperado, com incentivo eles se sentiram a vontade para sugerirem outros filmes, como “Star Wars”, “Jurassic Park”, e um desafio: “A máquina de escrever” e “Dançando na Chuva” – Na minha experiência tenho visto que crianças adoram trilhas sonoras e sonosplastia, conteúdo que optei trabalhar com eles desde o início do ano paralelamente aos demais conteúdos. Apreciam a simplicidade e não o simplório, buscam a utilidade para vida e a identificação com aquilo que propomos, gostam muito de aprender se divertindo isso torna o trabalho de qualquer profissional mais gratificante, demanda mais esforço, diante das interpéries, mais vale a pena.
Sobre as aulas no mestrado
Diante de toda evolução da música e dos meios que hoje desfrutamos para sentí-la e ouví-la ainda me vem três autores que gosto muito, o primeiro: Rubens Alves que relata que “só podemos escutar o som de uma música porque a ciência foi aprimorada no decorrer dos anos e, assim, permitiu, com suas métricas, cientificidades, regras e limites, que walkmans, computadores, rádios, gravadores etc. ganhassem vida”. O segundo: Manoel de Barros que fala, porém, que “a ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá, mas não pode medir seus encantos” e o terceiro: Saint-Exupéry que já dizia que “é com o coração que se vê corretamente, o essencial é invisível aos olhos”.
Sinto-me imensamente grata pela oportunidade de ter cursado a matéria, de ter feito parte de uma turma que realmente mergulhou nos conhecimentos propostos, que foi extremamente receptível ao fazer e ao brincar musical, também grata aos professores convidados que somaram de forma ímpar suas experiências, grata a prof. Marisa pelo preparo das aulas, pela postura e por compartilhar seu saber e vida conosco, foi uma jornada de profundas descobertas musicais, enquanto pianista sobretudo na área de improvisação e composição e também no aprimoramento quanto a temática: lecionar música e atuar com musicalização.
***
Beno Reicher
Minhas primeiras lembranças musicais provém da minha casa. Meu pai tocava violão. Além delas, tive aula de violão, piano e canto coral.
Após essas primeiras iniciações e de um breve período sem atividade musical, comecei a estudar violão em 1992, com 13 anos de idade. Nesse momento, fui em busca de aprender a tocar um instrumento mas não em busca de aprender música.
Sobre esse assunto, Mario de Andrade (reproduzido em 2005, p. 263) possui um texto interessante de 1935. Ao ser convidado para ser paraninfo de uma turma de formandos do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, o autor descreve bem a situação vivida por mim e possivelmente por várias outras pessoas da minha geração que estudaram em conservatórios e escolas de música particulares.
“Se os alunos vêm ao Conservatório com o único fim de estudar piano ou violino, se o ideal dessa juventude não passa duma confusão e também duma vaidade que significa os valores nobres da arte pela esperança dum aplauso público: a culpa é dessa mocidade frágil? Não é. Não sois vos os culpados, mas vossos pais, vossos professores e os poderes públicos. O vosso engano proveio duma incultura muito mais escancarada e produnda, em que a confusão moral entre música e virtuosidade, está na própria base.”
Minha formação musical foi tradicional: estudo do instrumento, teoria e percepção (não cheguei a estudar harmonia, contraponto e história da música porque não terminei o curso). Acabei sendo bastante influenciado pelo gosto musical de minha professora (seu gosto passava pela música renascentista, barroca, clássica e romântica, excluindo a música do século XX e XXI).
Todos esses conhecimentos são fundamentais para o aprendizado de música. Entretanto, avalio que um estudo significativo de música não pode se limitar à aprendizagem deles. Deve envolver apreciação musical, composição e trabalhos de rítmica e movimento corporal. O estudante deve ser exposto a experiências que o possibilitem se apropriar da música produzida pelo homem em todos os momentos da história.
Na época em que comecei meus estudos musicais (década de 1990), a 2a geração de pedagogos ativos da educação musical (Paynter e Schafer, dentre outros) já havia publicado obras importantes há 20 anos.
Isso posto, por que não tive acesso a esses métodos em minhas primeiras vivências musicais?
As pessoas que mais influenciaram o tipo de educação musical que eu tive (minha mãe e a minha professora de violão) frequentaram o ensino fundamental e o ensino médio nas décadas de 1950 e 1960. Portanto, elas são fruto da educação musical baseada no canto orfeônico (década de 1950) e possivelmente do canto orfeônico não institucionalizado mas praticado (década de 1960). Então, minha hipótese de resposta a essa pergunta é que não tive acesso ao pensamento desses pedagogos em minhas primeiras vivências musicais porque minha mãe e minha professora foram musicalizadas antes que esses pedagogos houvessem produzido suas importantes obras.
Foi somente a partir da disciplina Estudo de Repertório e Suas Implicações à Educação Musical, oferecida pelo Programa de Pós Graduação em Música, do Instituto de Artes da UNESP, que eu tive contato com o pensamento de John Paynter (na disciplina, outros autores foram trabalhados como Bernardete Zagonel, Chefa Alonso, Violeta Hemsy de Gainza, mas o que mais me marcou foi Paynter. Para conhecer mais sobre as atividades vivenciadas nas aulas, acesse http://portifoliomusicaunesp.blogspot.com.br/p/portifolio.html)
A participação como aluno da disciplina teve alguns efeitos em mim como músico e como educador musical.
Primeiramente, meu ouvido foi sensibilizado pelos sons do cotidiano (motores, buzinas, sirenes, pessoas conversando, feiras, máquinas, dentre outros) e não somente por aqueles produzidos com o intuito de fazer música.
A partir dessa sensibilização, o repositório de sons com os quais é possível fazer música ampliou-se sensivelmente. Isso terá um efeito sobre mim quando compor individual ou coletivamente porque a existência de um maior número de materiais musicais pode resultar em composições mais criativas e inovadoras.
Além disso, essa sensibilização me permite assimilar, compreender e apreciar a música concreta, a música eletroacústica, a música que está sendo produzida na atualidade e a música que será produzida no futuro. Do ponto de vista da educação musical, poderei compartilhar esse conhecimento com meus alunos, o que ampliará as suas vivências musicais e permitirá que se apropriem de um modo mais completo da música produzida no século XX e XXI.
Cito aqui uma situação que revela essa sensibilização. Ir a cartórios faz parte da vida cotidiana das pessoas. Pois bem, um dia tive essa necessidade e precisei esperar um pouco pelo atendimento. Em determinado momento ouvi um som muito interessante do estampar de carimbos sobre dezenas de papéis. Quando estamos em ambientes barulhentos durante certo tempo, nos acostumamos e quase não ouvimos o som que nos cerca. Somente percebemos o ruído quando ele cessa ou quando nos deslocamos para um ambiente mais silencioso. Percebi o som dos carimbos estampando os papéis como excelente insumo para composições.
Em segundo lugar, percebi que é possível fazer música com poucos recursos materiais. Essa é uma grande descoberta, especialmente se pensarmos nas escolas públicas, que muitas vezes tem dificuldades na compra de equipamentos e materiais.
Em terceiro lugar, exerci minha criatividade ao compor conjuntamente com meus colegas de grupo na sala. Compor inspirando em imagens; utilizando sons inusitados; sendo estimulado a usar instrumentos musicais convencionais de forma não convencional; dando enfoque ao timbre e a aspectos rítmicos; a partir de textos literários. Essa criatividade tem efeito sobre mim enquanto intérprete (estou mais atento aos aspectos acerca dos quais tomo decisões: dinâmica, fraseologia, andamento, timbre) e enquanto educador musical (esses recursos são um rico repertório de estratégias para trabalhar inúmeros conteúdos que precisam ser apresentados aos alunos pelo professor de música).
Como apresentado anteriormente, ter cursado essa disciplina enriqueceu bastante a minha formação. Pude preencher lacunas deixadas em aberto na minha formação musical básica e isso me deixa muito feliz. Agradeço à Profa. Marisa Trench de Oliveira Fonterrada por sua condução e aos colegas de grupo e de turma pelo respeito e parceria.
Fontes consultadas:
FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira. De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação. 2a. ed. São Paulo: Editora UNESP; Rio de Janeiro: Funarte, 2008
ANDRADE, Mário. Oração do paraninfo. In: Pro-Posições, V.16, n.1(46), p. 261-270, jan/abril 2005
Isabel Bertevelli
Antes
de mais nada, quero agradecer à Professora Marisa Fonterrada por ter me aceito
em suas aulas, onde pude aproveitar sua experiência e sabedoria. Igualmente
agradeço pela companhia dos colegas de disciplina.
Confesso
que, à princípio, escolhi a disciplina “Estudo de Repertório e suas Implicações
na Educação Musical” porque seria ministrada pela Professora Fonterrada, a quem
sempre tive muita admiração. Porém o que mais me chamou atenção não foi o
título da disciplina mas o autor que ela abordaria: John Paynter. Fiquei muito
curiosa porque ninguém falava dele por aqui e isso deve-se também ao fato de
não ter suas obras traduzidas para o português; lemos em espanhol e inglês!
O
nome já era conhecido do livro Tramas e fios e de um capítulo de A
música na escola, ambos escritos pela professora Fonterrada. Apesar de ter
achado a abordagem de Paynter inovadora e interessante para a educação musical,
eu não tinha conhecimento suficiente para utilizar tal abordagem no meu
trabalho. A questão da paisagem sonora, das vivências e incorporação de sons e
ruídos do cotidiano não era novidade para mim, mesmo porque, sempre trabalhei
com a proposta de Schafer, quem eu tive o prazer de conhecer e ainda participar
do primeiro curso oferecido por ele aqui em São Paulo, isso na década de 1990,
na antiga oficina Três Rios. Desde essa época, a ideia que eu tinha do trabalho
musical se despertou e desde então venho trabalhando nesse ritmo na minha
realidade, que é da educação musical das pessoas com deficiência visual,
principalmente cegos. Então tudo que pudesse fortalecer essas ideias e propostas
chamavam minha atenção. Descobri ainda que Paynter era muito atual, foi colega
de Schafer e compactuava das ideias musicais para a educação. Outro ponto muito
importante para mim foi a metodologia utilizada em sala de aula pela
professora e baseado nos ensinamentos e leituras que fizemos, a música passou
por todos nós, educadores, músicos, artistas ou não. Independente da formação,
intenção ou bagagem musical e/ou cultural, todos nós fomos “fazedores”,
criadores, compositores, ouvintes e alunos participantes. A ideia do “fazer
música”, e da “música para todos” tem me encantado. É evidente que abordo essas
duas expressões quando penso nos meus alunos, especialmente os cegos, como já
mencionei. Eles são , não todos, especialmente, bons ouvintes; e muitos são bons
músicos. Utilizam-se dos sons do dia-a-dia para se locomover pelas ruas, evitando
obstáculos, para conhecer as cidades, os lugares e as pessoas. Aprendi com eles
a valorizar cada pedacinho de som, cada variação de textura, de movimento
sonoro e de ritmo. Voltando na ideia da música para todos, percebi o quanto os
primeiros exercícios que fizemos em aula podiam partir do mero cotidiano até ser
criativo e aprofundar-se na riqueza do mundo sonoro de cada um e de todo o
grupo. Percebi o quanto é importante fazer música juntos, coisa que eu havia
abandonado por achar difícil e por não promover mais oportunidades como esta. Fazer
música, ouvir, perceber, expressa-se, criar e recriar com o grupo,
apoderando-se da própria experiência e fundindo e respeitando a experiência do
outro, com o outro universo musical do colega que estava ao lado. Voltando a
essa ideia, percebo e valorizo mais ainda a música para todos, a música acessível,
a música compartilhada; para mim, uma música democrática, que acolhe acima de
tudo. Não acho que seja tarefa fácil em para sala de aula com todos esses
apetrechos, ainda mais na atualidade. Ainda continuo pensando, é mais fácil ou
difícil fazer música em sala de aula em um mundo tão desigual, tão barulhento,
cheio de informações e vazio de conteudo e sensibilidade! Porém não deixo de
acreditar nesse mundo e no ensino da música para todos. A disciplina resgatou em mim uma educadora que sabe que inovar é preciso,
acreditar é preciso e fazer m´sucia para todos e com todos é fundamental.
Continuo estudando e estudando apesar dos compromissos e tantas aulas...
Pretendo engatar em um projeto para o doutorado... quem sabe! Por enquanto, vou
dar minhas aulas e seguir em frente com essas minhas impressões que agora são
de vocês também.
***
Israel Viana
Em uma das aulas desse curso, recordo-me da professora Marisa apresentar-nos um texto de Violeta de Gainza, onde a escritora e educadora dizia que cada indivíduo tem seu próprio Mundo Sonoro Interno que é constituído por tudo aquilo que internalizamos ou conservamos a partir de nossas experiências e percepções musicais e sonoras. Compreender o MSI do aprendiz também contribui para as adaptações metodológicas do educador (GAINZA, p. 198, 2014).
Essa foi uma das aulas que marcaram o semestre, pois me fez refletir a respeito de toda a minha atuação em sala de aula, fez-me desconstruir muitos conceitos que, até então, estavam firmes e esclarecidos. Contudo, como apresentado por Gainza, considerar a realidade, as vivências sonoras, as vontades e a história do aluno, transforma por completo o trabalho do educador em classe.
Acompanhar essa matéria trouxe-nos bibliografia que desconhecíamos, informações também desconhecidas, novas amizades, possibilidades diversas de fazer música, entre muitos outros benefícios – acredito ser oportuno não listar tanto. No entanto, creio ter sido o principal legado desta matéria a praticidade e a aplicabilidade que era agregada a cada aula que participávamos, pois durante as semanas que se seguiam estávamos dentro de uma sala de aula, como professor de música, refletindo e fazendo um paralelo com tudo aquilo que vivenciávamos na classe da professora Marisa.
Entre outros autores, John Paynter foi um pilar para as aulas. Ao apresentar o compositor – sendo aquele ser que manipula o material e tem atitude criativa – como nós mesmos, pudemos experimentar estratégias do autor, produzindo sons, discutindo ideias e expandindo as maneiras de produzir e registrar música.
Reproduzir sons estranhos com a voz ou instrumento fazia parte de uma das atividades proposta por Paynter, ao comentar sobre a atividade, a professora Marisa fez uma interferência, e disse:
O educador tende a apresentar suas preferências em sala, privando o aluno de novas experiências, pois no momento de escolha de repertório, por exemplo, o professor deve considerar novas escutas para o aluno, ainda que cause estranhamentos para ambas as partes. No processo criativo o compositor é apenas um detonador, pois utiliza-se das potencialidades dos alunos para criar música juntos.
Educação Musical cumpre uma função importante para o ser humano, pois traz à tona tudo aquilo que é interiorizado – com relação às vivências sonoras – pelo indivíduo, apresentando uma maneira de decodificar e transmitir as intenções musicais particulares.
A disciplina “Estudo de repertório e suas implicações na Educação Musical” conduzida pela professora Marisa T. O. Fonterrada agregou às minhas vivências musicais e pedagógicas uma forma criativa de proceder. Além de despertar curiosidade para futuras pesquisas na área da Educação Musical.
GAINZA, Violeta. H. El Rescate de La Pedagogía Musical. Buenos Aires: Grupo Editorial Lumen, 2014.
***
Marisa Gurgel
Participar das aulas de "Estudo de repertório e suas implicações na Educação Musical"
com a Professora Doutora Marisa Trench de Oliveira Fonterrada foi muito
gratificante, pois esse estudo me acrescentou muito como musicista, professora,
aluna e como pessoa.
Descobri e vivenciei em sala de aula a importância de realmente
perceber e escutar todos os sons que estão
à nossa volta;
sons que podem parecer simples, óbvios,
mas que em conjunto com outros sons que também
parecem óbvios
formam novos sons, novas melodias, despertam novas sensações e emoções, novas esculturas e paisagens
sonoras, dando assim um novo pensamento e um novo conceito sobre ouvir, escutar
e entrar no mundo sonoro, despertando nosso mundo sonoro interno, nossa imaginação sonora, nossa criatividade.
O processo de desprendimento dos conceitos tradicionais de
aprender, ouvir, reproduzir música,
a total liberdade de criação
e a expansão
de possibilidades sonoras melódica
e rítmica foi
muito produtivo, estimulante e proveitoso.
Todos dos exercícios
propostos que foram vivenciados resultaram em experiências únicas,
novas, interessantes e criativas.
Durante o curso usei alguns exercícios de criação musical com meus alunos. O
resultado foi tão
bom que com certeza pretendo sempre utilizá-los
em minhas aulas.
Agradeço
imensamente a Professora Marisa pela oportunidade de cursar essa matéria.
***
Paulo Zorzetto
O fazer musical definitivamente é algo que tornou-se complexo, e ao mesmo tempo extremamente simples. Não espero com essa afirmação causar algum tipo de polêmica, ou levantar um debate acerca das nossas práticas diárias e suas validades institucionais e emocionais. Espero, sobretudo, contemplar a enorme gama de conhecimentos e paisagens sonoras pelas quais passamos e passeamos durante o semestre que convivemos.
Se houve um conceito que a mim ficou claro fojo de que há muitas maneiras de se fazer e ensinar música; há muitas experiências possíveis e saudáveis que podem e devem ser utilizadas para que uma prática musical atinja o objetivo de educar, sensibilizar, desenvolver, incrementar.
Através de nossas vivências, jogos, ensaios e composições (?) pudemos sentir o gosto que existe naquilo que não parece tão óbvio, no reino das emoções primárias do (saudável) confronto de opiniões e visões de mundo. Tivemos algumas boas oportunidades de discutir e experimentar cores, sons e novas possibilidades.
Acho muito curioso notar o quanto essas possibilidades podem ser vistas sob um prisma tanto mais orgânico quanto familiar. Explico: numa das atividades, usamos uma gravação de um trecho aleatório do celular do Tiago e a partir daquela paisagem sonora compusemos um obra de alguns segundos. Cada um de nós do grupo ficou encarregado de uma função lúdica e que, sob minha impressão pessoal, tinha mais a ver com algo que surgia da instintividade do que da racionalidade.
Pronto! Uma música surgia com orquestração e tudo, sem uma única nota e com uma flexibilidade bastante instigante. Aí me perguntei: não pode ser sempre, ou mais vezes, assim? Por que precisa ser a música uma arte que muitas vezes beira a chatice na sua práxis, concepção e ensino?
E dessa simplicidade, arrisco dizer, é que surge a complexidade: por tratar-se de um ambiente mais livre e desconcertante, abre-se um novo rol de possibilidades assimétricas e por isso mesmo, mais desafiadoras. Ora, o que fazer com essa liberdade que aparece de forma tão vigorosa e abrangente?
Outras práticas foram apresentadas sob a mesma égide e todas tiveram o mesmo caráter e foram sempre conectadas com alguma organização, precisamente pontuada pela professora Marisa como sendo "algo necessário e indispensável".
Com essas impressões explico minha escolha pela matéria, uma vez que não enxergo reais e profundas possibilidades de que exista qualquer processo que não seja educativo nas mais diversas relações humanas, e é no processo musical que talvez isso se torne mais explícito.
Corroborando a frase de Shinishi Suzuki: "a música é uma língua que pode ser aprendida como as crianças aprendem qualquer língua: ouvindo e imitando", fizemos desse método nosso processo de trabalho e, estou certo e seguro em afirmar que, fazemos desse processo nosso método de exercício profissional, seja num laboratório instrumental, numa orquestra, banda ou partitura. Aprendemos e ensinamos, tocando-nos o tempo todo. Quer saibamos ou não.
Aí o simples vira complexo, ou seria o contrário?
A aprender-se.
***
Pedro Messias
***
Rafael Y. Castro
...em
busca de educadores musicais e não metodologistas...
Logo
de “cara” o nome da disciplina me chamou a atenção. Desde a minha graduação em
educação musical um assunto vem me chamando a atenção e me tirando o sono, se
posso dizer assim. Falo da formação de professores.
Estamos
vivendo, e não é de hoje, uma crise muito séria na educação brasileira. Estamos
cansados de ler, ouvir e assistir notícias e pesquisas que mostram a situação
deplorável da Educação, estou falando de escolas sucateadas, professores mal
pagos e desvalorizados, inversões de valores a respeito do papel da escola na
formação da criança e tantos outros problemas que posso passar horas a fio
descrevendo e comentando aqui, porém, como havia comentado, um ponto sempre me
chamou a atenção desde a minha graduação, na verdade acho que desde a minha formação
básica venho me deparando com isso, o excesso de professores incapacitados
atuando nas salas de aula. Não me refiro apenas aos professores de matemática,
português, ciências, etc. Falo também sobre os professores de teatro, artes
visuais e principalmente de música que é a quem dedico minhas horas de pesquisa
no mestrado.
Em
muitas conversas com amigos da graduação e agora da pós-graduação as pessoas
notam em mim um tom de certa maneira “áspero” e rude quando começo a falar
sobre o assunto. Isso só é verdade porque durante toda a minha vida, tanto na
educação básica, quanto na graduação e ainda na pós-graduação, tive o
“desprazer” de conhecer professores que, com o perdão da palavra, prestam não
mais do que um “desserviço” á educação musical e porque não á educação.
Enxerguei no mestrado uma oportunidade para entender essa situação e discutir a
validade ou não dessa minha hipótese de que, por mais que se tenha avançado
muito, a educação musical no Brasil precisa caminhar muito para merecer os
“louros” que alguns textos lhe conferem.
Exposta
minha angústia inicial a respeito do motivo que me move dentro da pesquisa, me
dedico a comentar a sobre a disciplina Estudos de repertório e suas implicações
na Educação Musical.
Faço
minhas todas as palavras e concordo com todos os colegas de turma quando falam
a respeito da maravilhosa oportunidade que tivemos de, ao menos por algumas
horas por semana, compartilharmos vivências e opiniões. De fato foi uma
experiência muito boa e rica.
Conhecer
novas atividades, ver as atividades que eu já conhecia por um outro prisma,
trocar conhecimento com pessoas muito mais bem informadas e experientes do que
eu, “UAU!”, é sempre sensacional e mais uma vez tive essa oportunidade dentro
da sala.
Escolhi
fazer essa disciplina afinal minha pesquisa é em torno da formação do educador
musical e imaginei que dentro da mesma seriam discutidos aspectos a respeito
desse assunto. A esse respeito não posso esconder um pouco da minha frustração,
afinal não me recordo de termos feito isso de maneira clara e objetiva em
nenhum momento. Tive a sorte de durante a graduação ter tido um bom contato com
a maneira de pensar de Paynter e, portanto, a leitura do texto e a realização
das atividades que ele propõe foram apenas revisitações a um tema que eu já era
familiar, claro que não tiro o mérito e nem o inestimável valor dessas
revisitações, porém senti falta de um aprofundamento crítico no autor.
Acreditei que, em se tratando de uma turma de mestrados, teríamos a
oportunidade de discutirmos mais, de analisarmos mais criticamente o autor e o
seu ponto de vista, comparando-o á nossa realidade brasileira, questionando seu
ponto de vista. Em muitos momentos senti falta desse debate mais profundo, as
aulas se assemelhavam às de graduação onde a professora nos falava sobre um
autor como o novo “santo graal” da educação musical, até que nos fosse
apresentado o autor do semestre seguinte que também o seria. Esse olhar mais
aprofundado no texto é algo muito importante (na minha opinião) pois, é na
pós-graduação que temos (?) um repertório maior de leituras e de experiências
pessoais que nos auxiliam no olhar para um autor e conseguir entender que
nenhum deles foi e nem será o detentor da verdade a respeito de nada, nem de
atividades, nem de repertório, nem de visão filosófica, etc, mas que todos,
todos eles, desde a primeira geração até os educadores mais contemporâneos são
fábricas e idéias e que cada uma dessas é apenas isso, uma ideia e não uma lei
ou verdade, nem mesmo a respeito dela mesma.
Em
conclusão me senti muito honrado de ter participado dessa matéria em conjunto
com a turma. Experiências tão vivas e encantadoras como essa deveriam salpicar
mais vezes a nossa jornada em busca de uma educação musical menos formatada, em
busca de educadores musicais e não metodologistas.
Rafael Y. Castro
Essa disciplina foi escolhida por mim por fazer parte de minha atividade musical profissional há mais de 15 anos, está totalmente ligada a minha prática musical diária e também irá contribuir de forma bastante significativa para o meu projeto de pesquisa, este que é voltado ao estudo e entendimento de um instrumento dentro de um contexto específico a partir do processo da tradição oral, presente na cultura e tradição popular. Dessa maneira poderei fazer análises mais profundas no campo no decorrer do meu estudo, impulsionado pela atividades propostas e desenvolvidas nas aulas ministradas pela professora.
Essa disciplina foi direcionada pelos conceitos de John Paynter com a visão da professora Marisa, que é uma referencia nessa área. A própria professora relatou que durante muitos anos utilizou os conceitos do Schafer e há alguns anos resolveu experimentar novos caminhos, somando as propostas de novos e reconhecidos autores com outras possibilidades amplamente estudadas e desenvolvidas por ela. Isso é uma forma muito importante de ampliar os conhecimentos referentes a Educação Musical, oque é uma necessidade real e crescente a cada dia. Muitos projetos sociais que trabalham com o ensino musical se desenvolvem enquanto novos surgem, muitos músicos também que não possuem formação pedagógica atuam como educadores por questões diversas, enfim, todos precisam muito dessas novos caminhos para ampliar o ensino e o interesse da música nas crianças e jovens, utilizando o repertório de cada público alvo e instigando cada vez mais para que sempre haja reconhecimento dessa importante transformação social, cultural e política, através da música. O mundo precisa muito das pessoas que atuam coletivamente e que pensem numa construção maior, sem precisar subestimar ou deixar de aprender, mesmo que você seja o professor. Fico muito honrado e agradecido de ter o privilégio de fazer essa aula com uma pessoa que há muitos anos dedica a sua vida para um bem maior. Foi muito importante a diversidade dos alunos participantes dessa disciplina, regulares ou especiais, todos dividiram suas experiências e coletivamente construímos o nosso caminho, que é renovado diariamente. Independente da formação ou habilidade de cada um pudemos nos ajudar e fazer oque é feito por nós com nossos alunos, utilizando assim o conceito da alteridade, termo muito importante quando falamos em educação, ensino e aprendizagem.
A professora Marisa possui uma visão ampla do que é o ensino da música. Com ela aprendemos sempre, independente da condição técnica de cada um, todos podem participar e refletir no que se pode fazer musicalmente com nossos alunos. Com todo o embasamento teórico que é visível no dia a dia e apresentado nas aulas, o que prevalece é o laboratório, a prática, a vivência e a troca de experiências.
O universo de cada aluno é muito particular e sempre pode ser aproveitado para uma construção coletiva. Tudo isso fica bastante evidente nas aulas em que participei. Com certeza estarei em futuras aulas com esse foco e com a liderança de pessoas que conseguem provocar oque está internamente oculto em cada ouvinte.
O futuro da educação musical é para que as pessoas consigam fazer música de maneira agradável e completa se possível no sentido técnico também. É possível dar a liberdade necessária aliada as questões fundamentais que foram construídas há séculos pela música tradicional. A fala da professora sempre foi no sentido de aproximar conceitos tradicionais e inovadores, sem se preocupar em criticar ou desmerecer a formação individual de cada um. Acredito que com aulas nesse formato muitos músicos apoiados no ensino tradicional podem ser mais flexíveis e ao contrário também, quem não possui uma formação tradicional pode aproveitar oque nele se desenvolve aliado a inovações e criações mais adequadas a realidade dos alunos atuais. O público de hoje é muito desenvolvido devido ao acesso fácil as redes sociais e a internet de maneira geral. Oque pode ser feito é adequar essa facilidade e velocidade de pensamento com uma música universal, termo esse usado pelo multi instrumentista Hermeto Pascoal. Muitos músicos mostram como pode se fazer uma música mais livre e também ensinar sem ser superficial e ao mesmo tempo atingir níveis satisfatórios, principalmente para o próprio criadores, sejam eles de níveis iniciantes, intermediários ou avançados, oque importa é que cada um pode se desenvolver e ser necessário socialmente.
Agradeço muito a oportunidade e o respeito mútuo de todos os alunos dessa disciplina, representantes do modelo de liderança da professora responsável pela disciplina. Com certeza iremos aplicar naturalmente o que nos foi apresentado.
***
***
Samuel Pompeo
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Há
aproximadamente seis anos, tive meu primeiro contato com o mundo acadêmico no
momento em que iniciei minha graduação nas Faculdades Integradas Cantareira.
Durante
esse período, a observação de alguns aspectos da estrutura curricular adotados
pelo curso de graduação daquela instituição acabaram despertando em mim
questionamentos a respeito das linhas pedagógicas adotadas.
Não
foram necessários muitos meses para que eu logo percebesse que as respostas
para tais questionamentos não seriam encontradas durante a graduação. Assim, a
pós graduação surgia como a alternativa natural nessa busca por respostas.
A disciplina
ministrada pela Profa. Dra. Marisa Fonterrada intitulada “Estudo de Repertório e
suas Implicações a Educação Musical” me pareceu uma excelente alternativa de
acesso e entendimento às informações que eu buscava. Entretanto, quais seriam
essas informações e quais seriam os meus questionamentos?
Por
uma série de razões – e aqui notadamente, pelo espaço disponível para a
elaboração dessas impressões – tentarei me ater a somente um ponto, a saber:
quais motivos manteriam o ensino musical apoiado em conceitos desenvolvidos(em
alguns casos) a mais de dois séculos? Seria possível que, mesmo depois de
tantos avanços musicais (inclusive com a ascensão do atonalismo) a música ainda
dependesse de estruturas tão rígidas e seculares para seu ensino?
Algumas
possíveis respostas surgiram através do acesso aos trabalhos e conceitos
desenvolvidos por três educadores musicais da chamada “segunda geração”: John Paynter, George Self e Murray Schafer
Dentre
as principais características, destaca-se o desenvolvimento (a partir da década
de 1950) de métodos abertos em educação musical, alinhados aos procedimentos
criativos dos compositores vanguardistas do século XX.
Com
o decorrer das aulas, a medida que mantínhamos maior contato com os conceitos
desenvolvidos por esses pesquisadores através da prática das atividades
sugeridas em seus respectivos livros, o trabalho de John Paynter começou a
chamar cada vez mais minha atenção.
Paynter
era um reconhecido crítico dos rígidos métodos de ensino adotados pelas escolas
de música, buscando através do seu trabalho estabelecer uma conexão dos conceitos de ensino
musical com os conceitos de outras disciplinas através do estímulo a criação.
Para mim, essa linha de pensamento adotada por
Paynter vem de encontro aquilo que considero um ensino musical de vanguarda: interdisciplinar,
além das definições e limitações impostas pela separação dos gêneros musicais
(música erudita ou música popular) e que privilegie o acesso aos melhores
conceitos e pensamentos desenvolvidos dentro da música como um todo.
Esse intercâmbio de informações entre os gêneros
musicais pode parecer algo um tanto quanto improvável; porém, ele encontra eco
no trabalho de alguns dos pesquisadores abordados durante o curso dessa
disciplina. Chefa Alonso, saxofonista e compositora espanhola, pode
exemplificar tal intercâmbio através do trabalho por ela desenvolvido e baseado
na improvisação livre.
Sabe-se que a improvisação é uma ferramenta
utilizada pelos músicos e compositores a mais de três séculos. Entretanto, durante
a apresentação do trabalho de Chefa,muitos alunos demonstraram em sala de aula grande
surpresa diante do trabalho dessa musicista. Tal fato ilustra a ausência de
comunicação entre as várias vertentes da música.
Os primeiros registros da presença dessa
ferramenta na música datam do período Barroco. No Classicismo, as
improvisações muitas vezes não eram escritas, contento somente algumas
indicações sobre quais escalas deveriam ser utilizadas e eram chamadas de cadenza.
Duranteo Romantismo a improvisação acabou sendo
abandonada, ressurgindo no século XIX no Choro e no decorrer do século XX com o
desenvolvimento do Jazz.
Trata-se, portanto, de uma ferramenta
desenvolvida nos seus primórdios dentro do chamado ambiente erudito da música. Entretanto,
muitos dos alunos presentes em nossa disciplina jamais haviam ouvido ou
estudado absolutamente nada sobre o assunto.
A constatação dessa situação em sala de aula
acabou despertando em mim um interesse cada vez maior nos métodos, conceitos e
atividades desenvolvidas por Paynter.
Acredito que minhas impressões sobre essa
disciplina (e particularmente, sobre o trabalho de Paynter) não seriam
totalmente fidedignas se não houvesse o registro do meu descrédito inicial a
respeito da eficiência de algumas das atividades propostas.
Em vários momentos, julguei-as um tanto quanto
infantis e não conseguia perceber quais objetivos estavam sendo vislumbrados
com tais exercícios; porém, no decorrer da apresentação dos conceitos que
norteavam tais propostas, tornaram-se cada vez mais claros quais pontos Paynter
buscava alcançar e trabalhar.
Em muitos dos exercícios propostos durante a
disciplina, pude notar a presença de uma situação muito comum aos músicos
ligados a música popular e que eram a chave para uma boa participação nessas
atividades: a pura e simples exposição a situações consideradas “arriscadas”
(ou até mesmo ridículas).
O risco durante a performance dos músicos
populares (particularmente, os improvisadores do jazz) é um elemento com o qual
aprende-se a lidar desde muito cedo. Na maior parte das vezes, a única
segurança à qual esses músicos podem recorrer é a escolha de um bom repertório
e de bons músicos para seu acompanhamento.
Todavia, a convivência dessas pessoas com
“riscos” diários durante suas atividades acabam por moldar um tipo de músico de
altíssima performance, extremamente versátil e com grande capacidade de
adaptação as mais variadas situações.
Aprimoramento da escuta por meio da
sistematização e organização do som, distribuição temporal dos elementos sonoros,
capacidade de discernimento das fontes e timbres sonoros, abertura para a
percepção de novas possibilidades e cultivo a sensibilidade (percepção) são
somente alguns dos pontos defendidos por Paynter e que fazem parte (de maneira
sistemática) da vida de qualquer músico improvisador.
Muitos de nós – chamados “músicos profissionais”–
embutimos nessa “classificação” (ou autodenominação) muitas regras e suas
consequentes amarras, que gradativamente retiram da nossa profissão uma das
suas mais belas facetas: a da arte feita pura e simplesmente pela arte.
Muito obrigado, Profa. Marisa Fonterrada, por
apresentar-me a tão belos e consistentes trabalhos!
***
Tiago Teixeira Ferreira
Participar da disciplina “Estudo de repertório e suas implicações na Educação Musical” e vivenciar o trabalho proposto pelo educador musical John Paynter, bem como acompanhar a didática com que a professora Marisa Fonterrada conduziu as aulas do curso foi de extrema importância para definir os rumos da minha pesquisa de pós-graduação, principalmente no que se refere ao despertar do interesse referente à palavra “criatividade”.
Não obstante a isso, após o curso, estudar e praticar processos de criação tem sido uma das estratégias contínuas que tenho buscado aplicar com meus alunos e sobre as quais tenho me apoiado em meu processo de pensamento como educador musical.
Dessa forma, ter contato com uma proposta de educação musical baseada em processos de ensino não lineares e que leve em consideração os conhecimentos dos alunos – porque, de fato, acredito que essa é a melhor maneira de construir conhecimentos relacionados à criação musical coletiva ou individual – foi transformador no sentido de me perceber, também, como um possível “estruturador” dos sons.
Assim, nos vendo como compositores – mesmo que inexperientes e sem estudos específicos para composição – percebi que o caminho sugerido por Paynter permite que pessoas sem experiência composicional possam fazer música e ter contato com o pensamento e a construção musical.
Construção musical, nesse sentido, se trata do percurso excepcionalmente didático sugerido por Paynter em seus livros trabalhados durante o curso – em especial Sound and Structure – em que, por meio de atividades muitas vezes simples, Paynter nos levava a perceber um universo de possibilidades sonoras e a escutá-lo por meio daquilo que compreendi como uma “escuta criativa”.
Talvez essa escuta tenha sido uma das peças primordiais que me conduziu ao universo das atividades que realizamos em sala de aula. Acredito que ela tenha possibilitado a criação das minhas próprias “chaves de escuta”, conceito apresentado pela professora Leila Vertamatti em uma das aulas.
Em minha experiência particular, depois de algumas vivências em classe, passei a procurar nos sons ouvidos em todos os lugares aquilo que Paynter chamou de “padrões”; perceber possibilidades sonoras e criativas em qualquer organização dos sons, mesmo que parecessem desorganizadas.
É por meio dessa busca que hoje enxergo minha contribuição, por exemplo, nas composições dos “pássaros”, da “linha sonora de 30 segundos” e do “susto” feitas em classe. Além das experiências, no decorrer do curso, criei junto com meus alunos do coral infantil e do coro comunitário adulto, respectivamente uma composição com os provérbios “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura” e “Em boca fechada não entra mosquito”, bem como uma composição coletiva partindo de ostinatos criados sobre a palavra “gradativamente”.
Nesse sentido, outra característica vivida durante do curso contribuiu bastante na tentativa de utilizar tais elementos como processo de construção musical por um grupo que não tinha conhecimento formal de música: a utilização das experiências sonoras de cada integrante do grupo. Não posso me furtar de dizer que esta característica que me aproxima do pensamento de “mundo sonoro interno” discutido nas primeiras aulas do curso por meio de um artigo da educadora musical Violeta Gainza.
Levar em consideração as experiências sonoras e musicais que carregamos conosco foi de extrema importância, principalmente nas composições que criamos durante o curso, pois nos adaptamos às possibilidades de instrumentos que cada um tocava e às possibilidades de execução técnica em algumas situações (me recordo da música da pirâmide, em que eu tinha que tocar o clarinete e um instrumento de percussão ao mesmo tempo). Além disso, as vivências de cada um ficaram claramente expostas nas criações e ideias espontâneas surgidas durante o processo de improvisação conduzido pela doutoranda Camila Valiengo, com base nas propostas de Chefa Alonso.
Da experiência das improvisações relato a sensação estética e musical incrível que tive ao ouvir a “conversa” entre a cuíca tocada por Rafael Y Castro e o saxofone soprano, tocado por Samuel Pompeo, bem como a solução que busquei criar para fazer a releitura de uma peça tocada por outro grupo em uma das improvisações livres. Nela tive que trazer à tona elementos melódicos reproduzidos pelo saxofone – melodia do filme “Branca de Neve e os sete anões” e “Está chovendo na roseira”, de Tom Jobim. Uma musicalidade improvisadora – mesmo que simples – que eu não sabia que tinha.
Outro fato que me chamou atenção durante o curso e que posteriormente encontrei referência no próprio livro Sound and Structure foi a sensação de ser ao mesmo tempo, compositor, intérprete e ouvinte. Nesse processo acredito que resida uma das soluções mais criativas – apesar de simples – no trabalho pensado por Paynter, pois ele exige que sejamos criativos em três momentos: criativos na composição, re-criativos na interpretação e o que chamei de re-re-criativos, quando ouvimos uma composição.
Nesse processo de criação, recriação e re-recriação é possível perceber a influência do caminho didático sugerido por Paynter, principalmente em Sound and Structure, pois quando sugere “tarefas” e “pontos de ensino” – assigments e teaching points – fica claro como o educador, ao mesmo que indica que o processo de criação deve ser algo espontâneo e individual, também exige um pensamento de organização do som – estruturar – para que a mensagem seja entendida pelos ouvintes.
Uma das atitudes que tenho adotado em minhas aulas é pensar em pontos de ensino para mim como professor. Nas minhas atividades de ensino semanais, quando preciso trabalhar com uma música em específico – já que trabalho com coro infantil –, me cerco de elementos que possam complementar a minha compreensão da música a ser apresentada. Faço isso de maneira a anotar em um caderno todas as possibilidades que passam pela minha imaginação com relação à canção ou mesmo com elementos externos a ela, mas que possam se conectar em algum sentido.
A última experiência que tive nesse processo foi com relação à canção “Shosholoza”. Elementos como o ritmo da música, frases musicais, canções de trabalho, maneiras de ensinar a divisão rítmica e a estrutura melódica, de compreender corporalmente a canção, danças africanas, Apartheid, entre outros assuntos, foram questões que foram levadas em consideração antes de apresentar a música às crianças.
Essa concepção de trabalhar com possibilidades inumeráveis de elementos presentes na música surgiu, principalmente, a partir dos processos criativos vividos no curso, pois utilizando de estruturas musicais para constituir composições passei a percebê-las também nas canções que eu ensinava para meus alunos.
Dessa forma, acredito que estou no processo de aprender que a experiência criativa pode ajudar na compreensão e escuta de outras obras musicais. Sejam elas de que período histórico for ou de que lugar for sempre existirá uma maneira de estruturação dos sons que levará a uma compreensão da música e tal fator aproxima o aluno dos processos de aprendizagem da linguagem musical.
De maneira a concluir, trago duas reflexões que me acompanharam ao final do curso. A primeira está relacionada à como os processos de criação poderiam constituir ferramenta ímpar na formação do educador musical que passaria a compreender melhor a estruturação da linguagem musical e, consequentemente, enxergaria um caminho possível para seu ensino.
A segunda me remete ao nosso dia-a-dia como educadores musicais e como seres humanos. Refiro-me ao afastamento do pensamento criativo nas nossas atividades diárias. Sem dúvida, que em minha infância, quando morava no interior de Minas Gerais, eu era bem mais criativo do que hoje. Eu criava meus próprios brinquedos, tinha a experiência de colher minhas próprias frutas nas árvores, tinha contato com a terra, conhecia os pássaros pelo canto, ficava em silêncio, conversava e brincava comigo mesmo; tinha momentos de tempo livre.
Nesse sentido, me aproprio de um dos trechos do filme “Tarja Branca” que diz que o processo de pensar e de criar exige de nós um momento de “ócio” em seu sentido original – liberar a mente para que ela tenha um tempo livre, para que ela imagine sem a pressão do trabalho ou de outras preocupações. Todavia, infelizmente, nos tornamos homens de neg-ócio – negadores do ócio –, negadores daquilo que poderia nos tornar mais criativos: o mesmo ócio da minha infância.
Agradeço imensamente à Professora Fonterrada pela entrega com que conduziu as aulas, bem a oportunidade de ter participado do "grupo Paynterlhando" e do curso em si.
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