O trabalho da Profa. Dra. Marisa Trench de
Oliviera Fonterrada atualmente é associado ao do educador musical, compositor,
músico e pensador canadense Raymond Murray Schafer (1933), principalmente por
seu contato direto com os pensamentos do compositor.
A educadora traduziu para o
português diversos de seus livros, quais sejam O ouvido pensante (2011;1992), do original The thinking ear (1986), A
afinação do mundo (2001;1997), do original The
tuning of the world (1977) e Educação
Sonora (2009), do original A sound
education (1990), além de ter escrito um livro sobre sua experiência no Wolf Project e sobre o ciclo
musical-teatral Patria do compositor,
sendo este O lobo no labirinto (2004).
Somando-se a esse rol de publicações diversos artigos em livros e congressos
exprimem tal aproximação.
Segundo a professora, Schafer,
tão conhecido no Brasil, nunca atuou como professor regular em escolas, a não
ser em projetos, sendo mais conhecido como um pesador musical. Daí busca da
educadora em tratar também de outros educadores musicais contemporâneos em seus
cursos. Nesse sentido, Marisa optou por priorizar em sua disciplina, oferecida
ao Programa de Pós Graduação em Música (PPG-Mus) do Instituto de Artes da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (IA-UNESP) no primeiro
semestre de 2014, o educador musical inglês John Paynter.
Sendo ela, Paynter trabalhou em
escolas ou ligado a elas a vida toda, entretanto sempre criticou o sistema
fechado desses centros de ensino. Ele queria tratar das questões contemporâneas
da música e fazer com que os alunos tivessem o estímulo pelo criar. Além disso,
como professor, Paynter sempre buscou conectar seus conteúdos e maneira de
ensinar com outras disciplinas, sendo essa uma característica muito marcante em
seu primeiro livro Sound and Silence
de 1970.
Em nosso primeiro encontro
iniciamos uma breve discussão sobre a educação musical, questão esta que
frutificou durante todo o curso, principalmente devido à origem dos componentes
da turma, não sendo apenas educadores musicais, mas também estudantes de outras
áreas da PPG-Mus, bem como músicos interessados que participaram como alunos
especiais.
Acerca da Educação Musical
Somente no século XX é que surgiu
essa classe conhecida hoje como educadores musicais, pois até o século XIX o
ensino de música não era algo sistematizado com um processo educacional. Foi no
século XIX que surgiram os primeiros conservatórios que buscaram criar uma
matriz curricular que é a base do ensino musical tradicional/ocidental até
hoje.
Essas escolas buscavam se basear
no ensino da técnica e na repetição para o aprendizado de música. Entretanto,
mesmo alcançando resultados, esse ensino se restringia a uma classe que tinha
poder aquisitivo para tal. Além disso, ainda prevalecia o paradigma do dom.
No início do século XX, com as
ideologias já se modificando em outras áreas, o campo do ensino de música
também passa a ser afetado. Dessa maneira, uma nova classe de educadores
musicais surge com uma proposta de aproximar o ensino de música a todas as
pessoas. Estes, atualmente, são conhecidos como educadores musicais da Primeira
Geração, responsáveis pelos métodos ativos. Dentre os mais conhecidos no
Brasil, Marisa Fonterrada, em seu livro De
tramas e fios (2008), ressalta Émile-Jaques Dalcroze, Edgar Willems, Zoltán
Kodály, Carl Orff e Shinichi Suzuki.
Nas páginas seguintes à
apresentação dos responsáveis pelos métodos ativos, no mesmo livro, Marisa
Fonterrada inicia um diálogo sobre a Segunda Geração de educadores musicais,
conhecida pelo que chamamos hoje de métodos abertos em educação musical.
Tendo florescido em meados da
década de 1950, principalmente na Europa e na América do Norte:
"Os educadores musicais
desse período alinham-se às propostas da música nova e buscavam incorporar à
prática da educação musical nas escolas os mesmos procedimentos dos
compositores de vanguarda, privilegiando a criação, a escuta ativa, a ênfase no
som e suas características, e evitando a reprodução vocal e instrumental do que
denominavam ‘música do passado’"(FONTERRADA, 2008, p.179).
Foi nesse contexto conceitual e
histórico que fomos apresentados ao educador musical John Paynter ao lado de
outros como George Self e Murray Schafer. Sendo assim, Marisa nos conduziu em
uma atividade do segundo livro de Paynter, Hear
and now, de 1972.
Padrões sonoros: objetivo
"1)
Individualmente,
cada um da classe deve escolher qualquer parágrafo de um texto qualquer
(aproximadamente um minuto de leitura) – jornal, livro, um poema, um problema
de matemática, etc., ou escrever seus próprios textos.
2)
A classe
deve ler alto e simultaneamente seus textos de maneira normal.
3) As
propriedades básicas agora devem ser aplicadas da seguinte forma:
(a)
Duração:
Séries de diferentes durações, de um segundo até um minuto, podem ser
livremente escolhidas para demonstrar isso. O começo e o fim devem ser
indicados por gestos apropriados de regência.
(b)
Velocidade/Articulação:
Essas podem variar da mais rápida maneira de ler até a mais lenta pronúncia de
cada palavra.
(c)
Volume/Intensidade:
Esse pode variar entre o quase inaudível sussurro e o grito.
(d)
Altura:
Essa pode variar entre a mais aguda e mais grave notas da extensão vocal e
pode, em um estágio posterior, ser associada mais especificamente com as vozes
masculinas e femininas, respectivamente" (PAYNTER, 1972, p. 32, tradução nossa).
Além dessas sugestões Paynter cria outras opções para desenvolver
musicalmente o texto. Orienta para que a classe seja dividida em grupos e
colocada em diversos pontos da sala, criando a dimensão espacial da música.
Propõe que as palavras do texto sejam divididas em sílabas e que sejam lidas
apenas as primeiras e as últimas sílabas de cada palavra, aguardando em
silêncio o tempo das outras sílabas; ler apenas as palavras monossílabas; só palavras
com p, b, p; palavras com s, ss, ç; m, n; criar ostinatos rítmicos com as
palavras do texto.
O que se observa nessa atividade é a necessidade de uma exploração
individual no coletivo da fonte sonora. O educador prova que não é necessário
usar apenas instrumentos musicais para se tratar de conhecimentos musicais,
pois para cada uma das atividades propostas existe a necessidade de se explicar
um conceito musical novo.
Além disso, executando a o “jogo”, foi possível perceber o envolvimento
das pessoas aos perceberem o seu som em consonância ou dissonância com o som
produzido pelos outros membros da classe. Na grande “confusão” de sons que se
formava ao cada um ler o seu próprio texto existia o que Paynter viria a
abordar em seu livro Sound and structure,
de 1992, que é a necessidade de se ter uma estrutura sonora para tornar a
linguagem musical comunicativa de fato.
Aula do dia 21 de
Março
Artigo do livro de Violeta Gainza
O artigo Mundo sonoro interno: una extensión del concepto pichoniano, do
livro El rescate de la pedagogía musical
escrito pela educadora musical argentina Violenta Hemsy Gainza foi o que deu
início ao segundo encontro do curso.
Dentre as questões apresentadas e
discutidas em classe, a turma chamou atenção para o fato de o mundo externo ser
percebido pelos nossos sentidos, o que leva a formar um mundo interno
particular.
Violeta Gainza traz esse conceito
para música, falando sobre o mundo sonoro interno (MSI). Segundo ela, cada
pessoa tem uma potencialidade musical; basta ser estimulada. Tal fato vem
ratificar a necessidade de um professor mediador do aprendizado. Cabe a ele mostrar
esse potencial aos alunos.
Muitas pessoas vivem cercadas
pelos sons, mas não os vivem, quiçá os organizam, assim como um músico
profissional ou um educador musical devem fazer. O som está presente, mas quem
ouve não sabe como utilizá-lo e, mais comum do que se imagina, muitas vezes nem
o percebe.
Essa potencialidade citada por
Gainza vem ao encontro daquilo que foi falado na primeira aula do curso quando se
fez um breve histórico do surgimento do educador musical, pois tal capacidade
inerente a todas as pessoas vem quebrar o paradigma romântico do dom. Dessa
forma, assim como qualquer outra capacidade, o ser humano precisa ser estimulado.
Mas uma vez a atitude se volta
para o professor, pois uma das primeiras formas de estímulo e absorção com
relação aos fatos do mundo é a imitação, logo, mais do que nunca, importa a
atitude do docente.
Por ser pessoal como uma
impressão digital, o mundo interno, pode ser tão forte e levar as pessoas a
vivenciá-lo como se fosse real – e isso acontece muito com os artistas. Tal
fato parte pelo mundo subjetivo em que a obra está dentro de você e você está
dentro da obra. E essa constatação vem desmistificar a ideia dual homem/obra de
arte, pois dessa forma arte e artista são um só; característica primordial da
arte.
Segundo o conceito de mundo
sonoro interno (MSI), as experiências sensoriais precisam ser organizadas por
aqueles que as ouvem, afinal o MSI é influenciado por todas as situações, em
todos os sentidos. Isso vem quebrar o senso de que se aprende música do marco
zero, pois todos nós já tivemos experiências que formaram nosso MSI.
Tal concepção fica clara quando
se pensa que é possível imaginar sons musicais ou não-musicais dentro cabeça;
lembranças. Transportando isso para música temos o fato do músico conseguir
criar na cabeça – internamente – o som que ele vê na partitura, como se o que
os músicos chamam de ouvido interno também fosse um instrumento musical, mas
apenas para si mesmo.
A autora do artigo ainda
apresenta que o MSI pode ser influenciado pelo mundo externo ou pode ser essencialmente
subjetivo – criando na cabeça. Dessa forma, uma paisagem sonora, para ser
lembrada internamente, exige uma vivência com o som. Daí, um certo tipo de
atividade, nessa linha de ação, funcionar ou não com uma turma de alunos
específica.
Diversas questões poderiam ser
levantadas com relação à importância de se considerar um MSI, todavia as
discussões que surgiram em sala foram no sentido de conhecer o conceito
deslocado por Violeta Gainza para o campo da educação musical. Cabe ressaltar
que a relação do texto da educadora com o contexto das aulas que viriam a
seguir no curso é de extrema relevância, principalmente quando se pensa no
sentido e experiências sonoras que criador necessita para compor suas próprias
obras musicais.
Dessa forma, sendo essa uma das
características mais desenvolvidas no decorrer das aulas seguintes, tivemos que
considerar as experiências de todos os integrantes da classe para realizar as
atividades sugeridas por John Paynter em seus livros. Nosso MSI, sem dúvida,
foi importante para passarmos por todo o processo de exploração, experimentação,
criação e registro sonoro das composições feitas em classe.
Leitura do livro Hear
and now
O título do livro de
Paynter de 1972, Hear and now,
expressa uma brincadeira sonora que o educador faz com as palavras em inglês hear e here, pois sendo as duas de pronúncia igual, sugere uma dupla
interpretação entre aqui – here – e
ouvir – hear –, tanto que a versão
argentina do livro ficou traduzida como Oír
aquí y ahora (1991) – Ouvir aqui e agora.
Talvez Paynter tenha utilizado do recurso de linguagem para sugerir aos
leitores de seu livro que o processo de ouvir/escutar necessitasse ser iniciado
o mais rápido possível, independente do lugar e situação. Aqui e agora.
O livro portador deste título
expressa tal necessidade de começar o processo de educação musical a partir de
atividades simples e criativas. Sendo assim, da leitura do terceiro capítulo do
referido volume – Colorful sounds around
us – chamamos a atenção para a questão da música como arte que acontece no
tempo, sendo a música contemporânea, entre outros aspectos característicos
próprios de si, portadora dessa informação. Entretanto, ao mesmo tempo ela vem
com um novo sistema – gravação – que transforma a música em um registro sonoro,
coisa que não existia antes quando a música era apenas um evento sonoro
temporal.
Quando a chamada música
contemporânea inicia seu processo de consolidação no início do século XX os
sistemas de gravação já existem, o que transforma sobremaneira essa relação do
som com o tempo. Anteriormente a esse evento era preciso estar presente no
tempo e no espaço em que a música era feita para poder ouvi-la; agora não mais.
A música pode ser ouvida em lugares distantes e em momentos temporais distantes
daqueles em que ela foi executada.
Entretanto, a despeito
da relação que se tem com a linguagem sonora atualmente, a música permanece com
sua característica de ser momentânea, afinal a gravação não representa todas as
sensações pelas quais a música, por completo, é percebida. A música permanece
como uma experiência para ser ouvida, vivida e escutada. Essa percepção permite
aproximar das questões sugeridas por Paynter de um aprendizado prático e
vivencial dos conteúdos musicais, que no caso do educador deve ser feito por
meio da ferramenta criativa.
Aula do dia 28 de
Março
A educadora musical brasileira
Bernadete Zagonel no artigo Em direção a
um ensino contemporâneo de música de 1999 nos diz que é preciso que o aluno
“tome consciência do mundo sonoro, dos parâmetros do som, do silêncio, dos
ruídos exteriores e corporais”, por meio do “movimento, do jogo, do
imaginário”. Tal percurso conduziria a uma “atitude criadora desenvolvendo
qualidades necessárias à musicalidade, à sensibilização auditiva, à escuta dos
parâmetros e à organização dos sons”.
Foi na mesma linha de raciocínio
da educadora, buscando partir de jogos de movimento, sonoros, imaginários,
condicionados à sensibilização auditiva e à organização do som que iniciamos o
terceiro encontro do curso.
Em uma atividade prática de
aquecimento, sugerida por Bernadete Zagonel em seu livro de 2011, Brincando com música na sala de aula, lançamos
uma bola imaginária que produzia um som ao sair da mão daquele que a jogava e
soava com outro som quando tocava na mão do receptor da bola. Tal atividade,
assim com aquela descrita no primeiro encontro, permite perceber como tarefas
simples podem nos mostrar o potencial de exploração e organização do som por
meio de jogos.
Os sons coloridos a nossa volta
Dando continuidade à leitura do
terceiro capítulo – Colouful sounds
around us – iniciado no encontro anterior, partimos para as atividades
práticas. Na parte inicial do capítulo Paynter sugere criar uma composição a
partir de uma escuta do ambiente no período de 30 segundos. Uma linha do tempo
sonora.
Esse tipo de atividade exige dos
integrantes uma escuta aprimorada, pois o som que parece inicialmente simples,
mostra-se com vários meandros no momento de perceber suas características e
anotá-las na linha do tempo. O que mais dificulta e, ao mesmo tempo o torna
interessante, é que são sons inesperados e complexos. Sons agudos e graves
acontecendo ao mesmo tempo, timbres incomuns que não trazem claros suas fontes
sonoras; um verdadeiro exercício, não só de escuta sonora, mas também de
percepção sonora – nos termos tratados pelo ensino de música.
Para dar prosseguimento à
atividade um dos integrantes do nosso grupo enviou mensagens via celular
pedindo para que seus contatos lhe mandassem gravações de 30 segundos dos
lugares de onde estivessem. Dentre as gravações recebidas, a escolhida pelo
grupo foi a de uma formatura militar que acontecia no Rio de Janeiro, no
momento da aula.
Da gravação foi confeccionado o
seguinte esquema gráfico para os 30 segundos:
![]() |
Registro gráfico da Música para 30" |
O que é interessante
observar com essa atividade é que Paynter fornece um pensamento didático para a
criação de uma composição. Por mais simples que pareça, por meio da
sistematização e organização do som, a atividade exige dos criadores/executantes
o aprimoramento da escuta.
Além disso, são tratados
diversos elementos musicais como, primeiramente, a escuta minuciosa dos sons do
ambiente, mesmo que gravados, a distribuição temporal desses elementos sonoros,
a capacidade de discernimento de fontes e timbre sonoros, espacialidade do som
e registro gráfico. Posteriormente Paynter sugere que a peça seja executada
vocalmente tentando se aproximar ao máximo dos sons ouvidos e registrados e, em
seguida, que a composição seja executada com instrumentos musicais,
demonstrando um processo de criação completo que pode ser conduzido pelo
professor em sala.
O longo e o curto
Para Paynter um dos
segredos para se aumentar a possibilidade de criação e apreciação musical é
ouvir muitas vezes; estar de ouvidos abertos.
No quinto capítulo do
livro Hear and now intitulado The long and the short of it, especificamente
opta por falar sobre os ritmos da música e inicia fazendo uma comparação entre
as limitações dos sistemas musicais estabelecidos. Para demonstrar isso se
utiliza do sistema dodecafônico de Schoenberg e afirma que o mesmo trabalha com
séries que também são “rígidas”, entretanto mais variável que o sistema
maior/menor – tonal.
Dando prosseguimento
explica que o ritmo é um conceito mais abrangente do que o que lhe foi dado – no
sentido de pulso, acentuação, compasso. Paynter afirma que ritmo não
necessariamente precisa ter pulso ou métrica. Ritmo é apenas o movimento. Para
o autor é preciso ter um sentimento rítmico; um senso de saber quando as coisas
vão acontecer.
Dentre as tarefas que descreve nesse contexto,
algumas se destacam. Para tratar de ritmos aleatórios ele sugere que cada um
escolha um instrumento qualquer de percussão que ressoe. Uma pessoa toca. A
outra pessoa só tocará quando o instrumento anterior parar de ressoar. O autor
aproveita, em atividades como essa, para relembrar como é importante escutar –
tocar em função do outro. Ainda na mesma linha de pensamento, sugere que todos
os instrumentos toquem juntos e só voltem a atacar a nota quando o último parar
de soar. O mesmo pode ser feito também com uma série de notas aleatórias
pré-estabelecidas sendo tocadas em instrumentos diferentes, criando um
contraponto com a mesma melodia, já que cada instrumento tem um tempo de
ressonância diferente.
Isso serve para mostrar como a
ideia de ritmo existe nessas atividades, entretanto ele é regido por outro
princípio – aqui a ressonância – podendo ser qualquer outro, estabelecido antes
da atividade. Paytner ainda reforça que
é necessário estar aberto para escutar novas possibilidades e que para isso é
necessário cultivar a sensibilidade, ou seja, a percepção.
Após tratar das músicas com ritmo
aleatório, Paynter acrescenta que sejam praticados os sons com ritmos
irregulares e para isso sugere que esses sejam executados em função de um mesmo
pulso, mas com acentuações diferentes. Como exemplo cita os padrões rítmicos
presentes em algumas obras de Igor Stravinsky, como a Sagração da Primavera. O educador nos diz que precisamos passar a
pensar em músicas em compassos mistos com 5, 7, 11 e 13 tempos.
Para isso Paynter conduz um
percurso que aproxima a escuta e a execução de ritmos como esses. Sugere que
grupos de compassos mistos sejam decompostos em outros mais simples para serem
executados criando padrões de acentuação em instrumentos agudos e graves.
![]() |
Subdivisão de cinco tempos (PAYNTER, 1972, p.53) |
Depois das experimentações e
testes com as acentuações Paynter pergunta se seria possível fazer algo a mais
com esses ritmos irregulares. Algo como uma composição. E sugere:
"Com um grupo tocando em alguns instrumentos de percussão de alturas diferentes, experimente uma peça de improvisação que use diferentes padrões rítmicos juntos e simultaneamente, de maneira que eles sejam sobrepostos produzindo interessantes acentos cruzados" (PAYNTER, 1972, p.55. Tradução nossa).
![]() |
Padrões rítmicos sobrepostos (PAYNTER, 1972, p.55) |
Para o educador, qualquer
atividade deve ser considerada como música, tanto que costuma nomear todas as
criações que são feitas em sala. Tal atitude cria um sentido de finalidade
musical para aqueles que participam das atividades.
Aula do dia 04 de
Abril
Aula
ministrada pela Profa. Dra. Leila Rosa Gonçalves Vertamatti e pela Doutoranda Camila
Valiengo
Chaves de escuta
Baseado no livro Jeux musicaux: jeux vocaux de Guy
Reibel, publicado em 1984, Leila Vertamatti nos falou sobre o trabalho
desenvolvido pelo educador no sentido de criar ferramentas para a escuta de um
material sonoro novo/diferente, pois uma das grandes dificuldades com relação à
apreciação de música contemporânea é buscar ouvir nela elementos da música
tonal. Essa constatação sugere um dos porquês dessa música não ser apreciada.
É preciso criar chaves
de escuta para procurar observar os elementos “certos” nessa música diferente
da tonal ocidental e o objetivo de Reibel não é modificar o gosto musical, mas
mostrar que é possível perceber e ouvir outras possibilidades sonoras.
O conceito apresentado
pela professora relaciona-se com o conteúdo do curso principalmente no que
tange a “abertura de ouvidos” necessária para que as atividades propostas por
Paynter em seus livros sejam desenvolvidas. Não nos caberia tentar elaborar
processos de criação que buscassem, ao final, a construção de uma música do
passado, mesmo que aspectos dessa fossem possíveis como caminhos para construir
composições, como Paynter traz, por exemplo, no projeto treze de seu livro Sound and structure (1992), intitulado A classic structure.
Somando-se
a isso, criar chaves de escuta torna-se uma atividade que permite ter contato com
outros exemplos de linguagem musical fora do nosso cotidiano auditivo. Podemos
e devemos escolher as músicas que gostamos de ouvir, todavia nos é obrigatório,
como músicos ou professores de música, saber ouvir e apreciar diversas
manifestações sonoras.
Improvisação livre
A compositora e
improvisadora Chefa Alonso é saxofonista e percussionista de free jazz e improvisação livre. Como
co-fundadora do Musicalibre tem
organizado durante vários anos o Festival
Internacional de Improvisación Hurta Cordel
em Madri. Além disso, a instrumentista realiza uma importante atividade docente
dando oficinas de improvisação a músicos, atores, poetas, bailarinos e
professores de música.
Foi em uma dessas
oficinas, realizada no Brasil em setembro de 2012, que a doutoranda Camila
Valiengo teve contato com as técnicas de improvisação livre aplicadas à
educação musical. Segundo Camila o contato com as técnicas e atividades
propostas por Chefa durante uma semana foram transformadoras no sentido de
entender o processo de construção de uma improvisação livre. Para ela a
improvisação livre se tornou uma ferramenta fundamental como processo de
apropriação e criação musical.
Segundo Camila, na improvisação
livre defendida por Chefa Alonso, a música nunca é feita sozinha; depende muito
da relação entre as pessoas. Uma atitude de escolha em fazer algum gesto sonoro
vai depender de como o “outro” responde em relação ao estímulo do um – também
“outro”.
É nesse sentido que ainda no
prefácio do livro Improvisación libre: la
composición en movimiento, publicado em 2008 por Chefa Alonso, Gonzalo
Abril traz a seguinte afirmação:
"[...] as práticas de
improvisação formam parte da atividade e da experiência cotidiana; inclusive
quando ocorre também nos contextos particulares da improvisação artística, o
improvisar consiste em ajustar o curso do comportamento e das exigências da
interação com os demais, a multiplicidade dos contextos vitais, a contínua
construção da realidade e da ordem que é exigida pelas necessidades de dar
sentido e continuidade a nossas experiências. Claro que nem todos os serem humanos
são igualmente criativos, nem capazes de encarar o inesperado com a mesma
totalidade nem com os mesmos recursos práticos. [...] Mas provavelmente essa
capacidade é, para a raça humana em seu conjunto, o que mais se aproxima do
conceito mesmo de ‘vida’" (ALONSO, 2008, p.9. Tradução nossa).
O ato de improvisar, nesse sentido,
é uma atividade cotidiana com a qual somos levados a conviver para sobreviver.
Aprendemos sobre ele e o utilizamos mesmo sem pensar sobre. Cabe ao educador
musical a tarefa de mostrar aos alunos que, assim como aprendem sobre o mundo
por meio de gestos práticos de improvisar para sobreviver, também podem
aprender música praticando o ato de improvisar musicalmente.
Os conceitos e conteúdos para uma aprendizagem musical válida para os
alunos levá-los-á a perceber os sons existem em todos os momentos do
cotidiano. A improvisação pode vir a ser
o primeiro contato com o universo de uma linguagem sistematizada da música que
se sistematizará para o aluno por meio de sua vivência prática. Uma construção
pessoal do fazer musical e de sua relação com o ambiente sonoro.
Tal atitude vem ao encontro daquilo que Paynter defende como a estruturação
do som, principalmente em seu livro Sound
and structure (1992), bem como com sua proposta de criação, com o
pensamento de Mundo Sonoro Interno de Gainza e de chaves de escuta de Reibel,
demonstrando a conexão dos assuntos que até aquele momento formavam a base da
disciplina.
Conselhos para
improvisar
Chefa, no curso que ministrou no
Brasil, deixou as seguintes dicas para improvisar:
- Acredite no que faz. Nada funciona sem convicção;
- Teu instrumento (a voz, o corpo ou qualquer instrumento musical) tem um registro muito amplo. Não se prenda ao registro médio. Experimenta com os extremos;
- Busque novos sons e ruídos em seu instrumento. Tente tocá-lo como outro instrumento, falar como outra pessoa, mover-se com outra personalidade;
- As frases não podem ser só ascendentes ou descentes. Tente tocar, mover-se ou cantar com outras formas: em picos, blocos, espirais.
- Construa seu solo como uma pequena história. O queres contar?
- Além de frases (uma sucessão de palavras ou de notas), você pode criar outros discursos: manchas, nuvens, pontos.
- Não insista no que já conhece. Arrisque-se a provar coisas novas;
- Não tenha medo do ridículo, não é mais que uma fórmula contra a sinceridade. Seja você mesmo;
- Na dinâmica, os refinamentos do som são a alma da comunicação. Aprenda a usar todos os seus registros e tenha-os sempre presentes;
- Um erro pode ser unicamente um acerto involuntário;
- Não tenha medo de errar. Tenha medo de não ser interessante;
- É muito importante manter viva a energia;
- Não seja em princípio muito meticuloso. Toca, atua, dança. Todos os processos no início são difíceis, desajeitados e raros.
- Não espere uma entidade completa e pronta. A ideia (ou ideias) deve ser mantida em estado de fluxo.
- Aproveite!
Passos além da fronteira
Ainda neste encontro assistimos
alguns trechos do filme Step across the border:
a night celluloid improvisation by Nicolas Humbert and Werner Penzel – music by
Fred Frth and friends de 2003.
O filme
abordou alguns pontos interessantes que foram ressaltados pelo grupo:
·
A
questão da improvisação livre no free
jazz e a diferença entre compor e improvisar que, na verdade, rompe com os
parâmetros pré-estabelecidos;
·
Crianças
vivenciando os sons: batendo em panelas livremente e um bebê em momento de
musicalização, onde o mesmo responde tocando, ao ouvir e ver o adulto cantar; o
bebê dança e bate palma ao ser incentivado, ao ver e ouvir o adulto chacoalhar
uma maraca;
·
Cenas
com sons e cenas com ausência de som, trabalhando os sentidos da visão e
audição simultaneamente, através de paisagens sonoras;
·
Catarse
de um guitarrista, que tem a liberdade de tocar estourando cordas, gritando,
desafinando, batendo em seu instrumento, criando sua forma de tocar e cantar a
partir de uma estrutura prévia, desconstruindo propositalmente e criando um
novo som; uma nova música.
Atividade prática
Como atividade prática proposta
por Leila, todos fomos convidados a cantar as notas “dó si lá sol fá mi ré dó”
simultaneamente e com mesmo ritmo. Em seguida era cantada a mesma sequência,
cada um em seu ritmo.
Através da vivência, a professora
convidada pode esclarecer o processo para se chegar a construção de uma
sonoridade nova. Dependendo, impreterivelmente, das experiências exploratórias
que nos ajudam a alcançar um repertório mais vasto, fica difícil não haver
mudanças e, por assim dizer, através dessas transformações, do coletivo surge
um novo.
Ao falarmos de construção estamos
falando de criatividade e de improvisação e isso significa: um processo
profundo de pensamento criador, de perceber o outro e de trabalhar com o
inusitado.
Aula do dia 25 de
Abril
Neste encontro realizamos
atividades práticas baseadas no capítulo cinco, The long and the short of it, do livro Hear and now (1972). Em um primeiro momento desenvolvemos a
proposta de Paynter baseada haikai The
folling leaves (PAYNTER, 1972, p.50-51). Com o auxílio do piano começamos a
cantar as terças menores descendentes:
C A
B G#___ A F#
G# F___ G E
F# D# F D___
A princípio todos cantavam a
sequência de notas em uníssono, em seguida cada aluno cantava em diferentes
tempos e, finalizando, a sequência de notas era cantada livremente, criando uma
malha sonora. Partindo dessa vivência seguimos para a parte da letra do haikai
e, assim, realizamos a mesma proposta utilizando palavras, seguindo a mesma
linha melódica.
The falling leaves
Fall and pile up
The rain beats on the rain
Essa proposta nos mostrou como uma atividade simples pode sugerir uma
complexidade maior do que a que se imagina inicialmente. Cantar as terças
menores isoladas não seria uma atividade complicada, não fosse o momento em que
se dividiram os grupos, cantando, cada aluno, a melodia em seu tempo. Como em
um cânone inicialmente, a peça tornou-se mais complexa com o desenrolar das
sugestões de Paynter, principalmente no que se refere à textura. Manter a melodia
em um tempo de sua livre escolha exigia uma escuta minuciosa do que o outro
estava fazendo, pois seria por meio do recurso de ouvir o outro que a afinação
não se perderia.
Muito embora cada um pudesse focar-se apenas em sua voz para não
desafinar, se isso fosse a máxima do exercício, perder-se-ia o caráter prático
da atividade. A sensação de fazer a música e de poder ouvi-la ao mesmo tempo em
que é construída é uma experiência sensorial estética importante.
Assim como no primeiro exercício prático proposto por Marisa no início
do curso, era preciso sentir-se como executante e ouvinte da música que se
criava.
Posteriormente a essa atividade,
em grupos, realizamos a criação de uma composição a partir de ritmos amétricos,
com instrumentos de percussão (PAYNTER, 1972, p. 53-55) – atividade que foi
descrita e discutida no encontro do dia 28 de Março.
Os processos de criação para essa
composição foram diferentes em cada grupo. Em nosso grupo cada integrante
estava com um instrumento de timbre diferente. Formamos duplas e pensamos em
tempos distintos para as acentuações rítmicas em compassos variados – 4, 5, 7 e
11 tempos.
Cada dupla apresentou seu
ostinato rítmico em sequência e em um segundo momento, após a primeira dupla
iniciar seu ostinato com quatro repetições, as outras foram somando-se à
composição com seus ostinatos distintos. Na mesma sequência que entraram os
instrumentos, as duplas foram se retirando, finalizando com uma mímica rítmica
do ostinato, congelando esse movimento.
Na segunda parte da aula a Dra. Consiglia
Carrozo Latorre, professora convidada, relatou sobre sua pesquisa de doutorado –
Sonoridades múltiplas: práticas criativas e
interações poético-estéticas para uma educação sonoro-musical na
contemporaneidade – defendida em 2014 e compartilhou informações sobre sua prática docente
com os alunos da Universidade Federal do Ceará, bem como relatou sobre a
vivência musical criativa que teve com Hans-Joachim Koellreutter, Conrado Silva
e Chefa Alonso.
Consiglia ressaltou a importância
do improviso instrumental como ferramenta pedagógica e o fato de nos tornarmos conhecedores
do nosso corpo como um todo expressivo/musical, fato este ratificado pela
experiência que teve em Portugal durante a sua pesquisa de doutorado.
Exemplificando isso, expôs suas
impressões quanto ao posicionamento corporal de músicos, profissionais de
teatro, dança, artes visuais e mídias, frente a um pedido simples: “Vamos
levantar!”.
A pesquisadora e educadora contou
que em sua experiência percebe que, na verdade, há diferentes atitudes, como
“ressabiamento”, “prontidão”, “desânimo”, “inalteração” frente a atividades
corporais simples no meio de estudantes e profissionais da área de artes.
Segundo ela, tal fato é uma contradição, pois é nas artes que buscamos
naturalmente a expressão.
Consiglia ressaltou ainda a
importância da simplicidade nas ações educativas onde faltam recursos. “Há de
se utilizar os meios presentes e a criatividade”, disse ela. Afirmação
apresentada na prática pelo trabalho que a educadora desenvolve com os alunos
da Faculdade Federal do Ceará.
Aula do dia 09 de
Maio
Neste encontro iniciamos os trabalhos baseados no livro Sound and Structure (1992). Paynter
considera este livro um guia e não um método. Nele podemos perceber a inserção
da música como parte do desenvolvimento de algo além do musical – o humano – que
fará trazer de volta a importância da música e suas significações e sentidos.
Essa questão também é levantada por outros educadores musicais da segunda
geração, principalmente por Hans-Joachim Koellreutter, tanto que em livro
dedicado educador (2001), Teca Alencar de Brito, escolhe como subtítulo “o
humano como objetivo da educação musical”.
Paynter, em Sound and structure, sugere acabar com a dicotomia criatividade e
estruturação, unindo os dois processos:
- Ter uma experiência exploratória musical e estruturá-la depois;
- Partir de estrutura pré-estabelecida qualquer para criar música.
Para ele a música é uma arte
criativa (compor), re-criativa (interpretar) e acreditamos em algo além: re-re-criativa
(quando escutada e transformada pelo ouvinte). A partir desses conceitos cabe
ressaltar que através da arte re-criativa podemos inventar, criar e recriar.
Além disso, podemos escutar criativamente ou passivamente.
Em Composing, performing and listening (PAYNTER, 1992, p.11-13) aprendemos
uma poderosa ferramenta para o desenvolvimento musical crítico. Entre
composições, interpretações, execuções e audições é preciso ver a música para
além do entretenimento. Mas como enxergar a linguagem musical com uma visão
crítica? É preciso aprender como ela se faz; como ela se estrutura. Só assim o
aluno poderá vê-la/ouvi-la com outros olhos/ouvidos.
Nas discussões em sala o
pensamento de Paynter foi corroborado John Sloboda, que no livro The musical mind: the congnitive psychology
of music de 1985, reforça que a
expressão é derivada da estrutura e que é a partir da compreensão que há
liberdade para imaginar e criar. Que a experiência e o experienciar são
processos importantes.
A artista plástica Fayga Ostrower
em seu livro Criatividade de processos de
criação de 1977 nos fala ainda que todo processo de comunicação de uma
linguagem artística passa por uma necessidade de se dar forma ao material com
que se trabalha, que no caso da música é o som.
Somando-se a isso, através da
história da música podemos contemplar a busca de modelos, onde a criação de
estruturas de tempo exprimiam o sentido da existência humana. “Musicar a vida”.
Para Paynter, a música, por ser uma arte que ocorre no tempo, precisa ser
entendida e organizada nesse tempo. Precisa ser estruturada para ser
compreendida. Isso faria com que o ouvinte passasse a ouvir a música por meio
de outros mecanismos. Elementarmente o que Reibel propôs com suas “chaves de
escuta”.
Paynter, nesse sentido, se
aproxima dos paradigmas que acompanham o século XX, tanto que diante desses
modelos de estrutura surgem questões acerca do espaço; de sua finitude versus o
infinito. Coloca a questão da presença de uma herança musical construída
através dos tempos e dos meios de comunicação como formadores de hábitos e, por
isso, meios influentes à consciência humana. Ressalta um ponto em comum entre a
vida e a música, na frase dita por Fritjof Capra: “A organização da vida não é
linear, assim como a música”.
Na parte intitulada Using this book (PAYNTER, 1992,
p.23-25), Paynter nos explica como foi pensada a estrutura do livro. Segundo
ele o trabalho com música torna-se uma rede de interações entre assuntos como
educação, técnica, significado, ideias, heranças, estrutura, som, que devem,
impreterivelmente, para serem apropriadas da maneira correta, passar pela
compreensão e apropriação dos assuntos a serem trabalhados, gerando sempre uma
composição e uma execução.
Paynter, divide o livro em quatro
grandes partes, quais sejam Sound into
music, Musical ideas, Thinking & making e Models of time. Dentro de cada uma
dessas partes são descritos quatro projetos referentes aos temas. Para o
educador esses projetos não precisam nem devem ser executados em sequência.
Eles podem ser utilizados pelo professor como uma ferramenta sem um ponto fixo
de início ou final. Tudo dependerá da necessidade da turma.
O gráfico apresentado no livro proporciona
liberdade de escolha de caminhos a serem tomados pelo educador:
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Gráfico – Sound and structure (PAYNTER, 1992, p.24) |
Aula do dia 16 de
Maio
Este encontro foi dedicado à
primeira parte do livro – Sounds into
music. Optamos por realizar a tarefa três (PAYNTER, 1992, p.40) do projeto
dois – Wind song.
Parte I, Projeto 2, Tarefa 3 – Birds
Neste
projeto, Paynter sugere a utilização de sons encontrados no cotidiano das
pessoas, que poderiam variar desde ruídos de motores de automóveis, ranger de
uma escada rolante ou canto de pássaros.
Os
sons selecionados para nosso trabalho foram o canto dos pássaros, a saber:
Quero-quero, Uirapuru azul e Rouxinol do Japão.
Após
a escolha, foram definidos quais instrumentos musicais seriam usados na
execução da composição. Optamos pelo uso de três flautas doces, uma flauta transversal,
um violão, um piano, um pandeiro e voz.
Iniciou-se,
então, um breve debate acerca da maneira como esse material seria usado. Qual
seria a melhor maneira de representarmos musicalmente os cantos dos pássaros
selecionados?
Para
a representação do canto do Quero-quero e do Rouxinol do Japão, optou-se pela
transcrição da melodia cantada por esses pássaros. Nesse processo, notamos que
essas melodias sugeriam formas de compasso irregulares. Diante disso, surgiu um
primeiro impasse ao grupo: deveríamos permanecer fiéis a reprodução dessas
melodias ou faríamos ajustes rítmicos/melódicos buscando um “arredondamento”
das mesmas?
Para
o canto do Quero-quero, optamos por um pequeno ajuste rítmico que garantiu a
melodia desse pássaro um aspecto de “groove”, composto por quiálteras de
colcheias executadas em ciclos de quatro tempos (4/4).
Para
o canto do Rouxinol do Japão, optou-se pela utilização dessa melodia de forma
integral, ou seja, sem nenhum tipo de ajuste rítmico ou melódico. Dessa forma,
essa melodia, que foi cantada pela soprano do grupo, garantiu características
poli rítmicas a composição.
A
junção do canto desses dois pássaros acabou resultando em algo muito
interessante. A melodia do Quero-quero executada por duas flautas doces, sendo
uma soprano e outra contralto, de forma cíclica garantia uma característica
tonal, enquanto a execução da melodia do Rouxinol do Japão impregnava à
composição elementos modais (modo mixolídio).
Notou-se,
em relação ao canto do Uirapuru azul, uma acentuada característica rítmica. Tal
característica acabou induzindo o grupo a optar pela execução do canto desse
pássaro por um instrumento de percussão – nesse caso, um pandeiro.
Com
a inclusão desse terceiro elemento, reforçou-se o aspecto poli rítmico da
composição, uma vez que a transcrição do canto do Rouxinol do Japão apresentava
uma estrutura de cinco tempos (11/8 e 7/8).
Foram
usadas para esse trabalho alguns elementos adicionais que continham alguma
ligação com o canto dos pássaros escolhidos. Ao violão, por exemplo, coube a
execução de arpejos que visavam reforçar as notas da melodia do Rouxinol do
Japão. Foi adicionada uma seção de 12 compassos (8 + 4) de improvisos de flauta
doce e flauta transversal, onde os músicos buscaram usar fragmentos retirados
dos cantos de pássaro selecionados.
O outro grupo da classe optou por realizar uma
tarefa completamente diferente da escolhida por nós, resultando em uma
composição feita com objetos do cotidiano.
Aula do dia 23 de
Maio
Este encontro foi dedicado à
segunda parte do livro – Musical ideas.
Optamos por utilizar as ideias apresentadas nos projetos seis – A common store of melody (PAYNTER, 1992,
p.77-86) – e a tarefa oito (PAYNTER, 1992, p.101-103, 110-114) do projeto oito
– Re-inventing the grammar.
Susto
Nos projetos seis e
oito Paynter sugere o trabalho com haikais – pequenos poemas surgidos no Japão
e incorporados a outras culturas posteriormente. Ele apresenta diversas formas
de utilizar esses pequenos textos, mas todas se enquadram em duas categorias:
uma que se utiliza do texto para criar uma linha melódica para a letra (PAYNTER,
1992, p.81-82); outra que faz uso das frases ou ideias presentes nas palavras
do texto para dar uma forma (estrutura) para a peça a ser criada (PAYNTER,
1992, p.101-103, 110-114).
Optamos nessa aula, por
partir pela segunda categoria e criar uma peça cuja forma fosse definida pelas
palavras e ideias do texto, de maneira que esse tivesse importância não só para
criar sonoridades mais para sugerir uma forma para a obra.
Escolhemos o haikai Carrilhão de Guilherme de Almeida:
Assusta-se e
foge o
enorme tempo que dorme
no velho
relógio.
Inicialmente tentamos
captar todas as informações sonoras que as palavras do texto poderiam sugerir,
ficando um som para a palavra “assusta-se”, outro pra “tempo”, “dorme” e “velho
relógio”. Definidas essas sonoridades, elas seriam a base sonora para a
construção da peça.
Em seguida pensou-se em
questões como o “tempo” que é sugerido pelo texto e que se aproxima fortemente
de uma questão musical, tanto que a palavra tempo existe em música para definir
o pulso – beat. Entretanto,
simultaneamente a isso, o texto sugeria a presença de um velho relógio, que
analisamos como uma perda desse tempo. Um relógio que andava fora do tempo, sem
uma métrica regular. Mas isso ainda não nos dava a forma da peça.
Foi nessa discussão que a palavra
“foge” nos chamou atenção. Ela nos remeteu às fugas surgidas no período barroco
e muito utilizadas por Bach. Como tínhamos pouco tempo para criar a peça e
ensaiá-la percebemos que a ideia de construir uma fuga sobre o tema não seria
possível. Optamos então por utilizar um dos princípios da escrita de fugas: o
cânone.
Dispondo as sonoridades
em uma sequência, optamos por apresentá-las inicialmente sozinhas de maneira
que quem ouvisse a composição conseguisse identificar os temas que comporiam o
cânone. Prosseguindo, cada integrante do grupo, com a mesma sequência de som
executaria a peça em forma de cânone. Um dos integrantes começaria a sequência
e o segundo só iniciaria quando o primeiro integrante entrasse no segundo tema
sonoro. Assim se faria para a entrada de todos os integrantes do grupo.
Dessa forma o tempo de duração de
cada tema sonoro, bem como sua entrada, seria condicionado pelo executante
anterior, dando um caráter de liberdade no tempo e métrica da peça. Entretanto,
após diversos ensaios e tentativas, o grupo não conseguia executar a composição
por conta da dificuldade em lidar com a liberdade de tempo gerada pela
estruturação da obra.
Para solucionar o impasse a Profa.
Marisa sugeriu que realizássemos a composição com tempo e métrica bem definidas
e só, posteriormente, retirar esses elementos. Assim fizemos até que todos
entendessem a base estrutural de um cânone.
Outra dificuldade surgiu com
relação às sonoridades escolhidas, pois para serem executadas exigiam dos
intérpretes um esforço dramático, principalmente com relação à sonoridade
pensada para a palavra “susto”. Tal fato trouxe a tona uma questão comum entre
músicos intérpretes ou executantes: a expressividade e veracidade com que uma
informação sonora deve ser passada.
Uma música só irá expressar o seu
máximo potencial se for vivida em todos os sentidos por quem a executa. Não
basta apenas a técnica; é preciso aquilo que o educador musical Jaques Dalcroze
percebeu que seus alunos do conservatório suprimiam de suas músicas: o
movimento, o corpo, a intenção.
Foi incluído um gesto para essa
sonoridade o que auxiliou os integrantes do grupo na execução mais verdadeira
da sonoridade exigida. Ao final, a composição foi executada nas escadas do Instituto
de Artes o que permitiu uma transformação substancial no resultado sonoro da
peça, pois a reverberação causada pelo vão das escadas produziu a ambientação
sonora que não existia na sala de aula sem reverberação.
Finalizando a peça, cada
integrante declamava um pequeno trecho do haikai, demonstrando de que lugar
havia surgido todas aquelas ideias musicais e sonoras.
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Registro gráfico da composição Susto |
Neste mesmo dia, outro grupo de alunos do curso optou por construir uma
composição baseada em ditos populares ou quadrinhas brasileiras. Buscando
utilizar melodias criadas pelos próprios integrantes, sobrepuseram-nas criando
uma malha sonora politonal, reforçada pela espacialidade utilizada pelo grupo
de forma a destacar as dinâmicas da peça.
Aula do dia 30 de
Maio
Aula
ministrada pela Profa. Dra. Jéssica Mami Makino e pela Doutoranda Camila Valiengo
Dando
continuidade ao pensamento criativo fomos desafiados pela professora Camila a
explorarmos sons não esperados de instrumentos convencionais, a despertarmos
nossos ouvidos em exercícios de audição e improvisação livre baseados nas
ideias de Chefa Alonso.
Com
instrumentos de percussão, cordas e sopro, cada aluno foi desafiado a
improvisar realizando um solo, num segundo momento o colega ao lado se juntaria
ao solo e fariam então um dueto, seguindo a proposta da improvisação iniciada.
O primeiro aluno então finalizaria e o segundo realizaria o solo. Um terceiro,
seguindo a sequência, se juntaria formando um dueto e assim por diante.
Como
exemplo dessa proposta, o diálogo entre uma cuíca, um sax soprano e voz. É
interessante observar neste trecho a percepção auditiva que é exposta pelos
instrumentistas que se propõem a realizar essa atividade. Sem dúvida que no
caso da turma éramos todos músicos e essa tarefa se faz, em grande parte, pelos
conhecimentos adquiridos anteriormente. Entretanto nada impede que a tarefa
ajude a não-músicos profissionais a elaborar, dentro de seus conhecimentos, um improviso
interessante.
Justamente
por se tratar de uma improvisação livre, a escuta e a criatividade se tornam
elementos fundamentais, podendo ser desenvolvidas pela prática por qualquer
pessoa.
Num
segundo momento foi proposta uma atividade em grupo de quatro pessoas, onde
foram sorteadas poesias, uma das poesias utilizadas pelos integrantes do nosso
grupo foi:
A lei do quão
– Paulo Leminsky
Deve ocorrer em breve uma brisa que leve
Um jeito de chuva à última branca de neve
Até lá observe-se a mais estrita disciplina
A sombra máxima pode vir da luz mínima
O objetivo dessa tarefa era criar
uma maneira de representar, por meio dos instrumentos e da improvisação, o
conteúdo das palavras da poesia. Para isso teríamos 5 minutos para preparar a
improvisação, 3 minutos para apresentar e 2 minutos para reproduzir o que outro
grupo criasse sobre uma poesia diferente.
Exemplificando, a improvisação
sobre um poema de Paulo Leminsky e posteriormente sua reprodução por outro
grupo. Cabe destacar nesta gravação a releitura do improviso feito pelo
primeiro grupo. O grupo que cria o improviso utiliza-se de temas conhecidos da
vivência dos músicos – Está chovendo na
roseira de Tom Jobim e melodia do filme A
Branca de Neve – e no momento da releitura o grupo seguinte faz uso dos
mesmos temas, porém mantendo padrões de altura e rítmico, deixando de lado o
aspecto melódico dos temas.
Na parte da tarde, sob orientação
da Profa. Jéssica Makino, realizamos duas tarefas da segunda parte do livro Sound and Structure, uma partindo de
formas criadas pelo homem para construir – projeto oito, tarefa um – ou dadas
pela natureza – projeto 8, tarefa quatro.
Pirâmide sonora
“Música
da Pirâmide” teve como intuito partir de uma estrutura complexa e reinventar o
sentido da construção das estruturas musicais. Partindo da imagem de uma
pirâmide nos foi perguntado como ela foi construída. Partindo desse ponto, como
poderíamos utilizar o mesmo processo para criar um processo de composição para
uma música? O que a forma física de uma pirâmide depois de construída poderia
sugerir musicalmente?
Cada grupo pensou em seu material
sonoro disponível e, partindo da visualização plástica, buscou construir suas
composições. O desafio dessa vez era outro, os grupos tinham a mesma tarefa e
cada um deveria buscar seu próprio processo de criação.
Primeiramente pensamos em como
representar musicalmente uma pirâmide, constatamos que através de instrumentos
de sopro, de percussão e do piano poderíamos realizar a composição. Partimos de
uma estrutura matemática. Giramos o sentido da pirâmide em 90º e assim os
tijolos que comporiam os degraus dela foram pensados como notas cromáticas
ascendentes e descendentes, respectivamente, de uma oitava à outra, sendo
executadas por dois saxofones sopranos.
Como som fundamental que
sustentava a pirâmide, a mesma nota da oitava inicial dos saxofones sustentada
durante toda a música por um clarinete. O piano daria o clima laborioso da
construção da pirâmide em estrutura de tijolos sobrepostos – clusters. E, como
sonoridade característica do Egito, foram colocados instrumentos de percussão –
pandeiro e bloco de madeira – realizando ritmo proveniente do derbak.
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Registro gráfico da música baseada no formato de pirâmide |
Durante a apresentação das composições dos dois grupos a professora
sugeriu que fosse feita uma representação gráfica daquilo que era ouvido, assim
teríamos duas percepções da composição, uma gráfica e outra sonora.
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Desenho 1 representativo da música da pirâmide |
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Desenho 2 representativo da música da pirâmide |
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Desenho 3 representativo da música da pirâmide |
O outro grupo resolveu utilizar de
sons vocais para construir a sua pirâmide, demonstrando a versatilidade criativa
das atividades sugeridas por Paynter. Dentro de uma mesma proposta, músicas com
características completamente diferentes foram criadas, seja no sentido sonoro,
de instrumentação, de textura ou de intenção musical. O ato criativo, nesse
sentido, torna-se particular a cada grupo e situação; sempre criativo,
re-criativo e re-re-criativo.
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Desenho 1 representativo da música da pirâmide vocal |
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Desenho 2 representativo da música da pirâmide vocal |
Aula
do dia 06 de Junho
Aula
ministrada pelo Prof. Dr. Fábio Miguel
Jogos vocais
·
Aquecimento corporal e vocal de maneira
divertida: diversos exercícios para aquecimento do corpo e da voz por meio de
atividades lúdicas.
· 1ª Atividade: o grupo deve escolher uma palavra
e desenhar em uma folha as partes dessa palavra. A palavra pode ser
desmembrada, cantada, recitada, transformada, manipulada vocalmente; usar
apenas as consoantes, as vogais; inventar maneiras diferentes de reproduzir os
sons dessa palavra. Depois que todos explorarem essa palavra em grupo a
atividade deve apresentar essa exploração musical e o outro grupo deve
descobrir que palavra foi escolhida pelo grupo.
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Exemplo de composição com a palavra retumbante |
·
Exposição
de diversos áudios em que foi pedido que se identificassem as situações onde
eles pudessem estar inseridos. Foram identificadas as seguintes situações:
- Rua 25 de março (anunciando pregões);
- Canção de trabalho (vocal renascentista, mouros, árabe;
- Ave-Maria (gravação do último castrato);
- Canto indígena (mulheres pigméias após o consumo de alucinógenos, imitando sons da natureza na floresta. Yodel);
- Konakol (técnica indiana);
- Árabe (muçulmano): ritual religioso, onde a repetição acelerada leva os indivíduos ao estado de êxtase;
- Índios Kamayurá (ritual fúnebre);
- Canto de aboio
- Overtone sing (canto multifônico);
Uso
da voz para representar determinadas ações e/ou ambientes (barulho de uma pá
removendo areia e um papel sendo amassado e jogado na parede)
Construção
vocal, em grupo, de um ambiente escolhido; ex: metrô, sala de concerto,
hospital. Cada grupo representou vocalmente um local e os outros alunos
tentavam adivinhar.
Definição
do termo “pregão” na visão do autor José Ramos Tinhorão em seu livro, Os sons que vem da rua (2005). Com essa
definição, foi trabalhado conceito de pregão juntamente com um cânone chamado Londoner Strabenrufe, do compositor John
Cobb.
Conversa ao
final da aula
Na segunda parte da aula o
professor Fábio falou sobre o livro Performance,
recepção e leitura (2000) do autor Paul Zumthor, que trata da oralidade na
Idade Média. Como fechamento da aula o Fábio falou sobre seu projeto de
pesquisa no Doutorado, abordando diversos autores e fundamentando todas as
atividades expostas e praticadas em grupo.
Paul
Zumthor é um medievalista, poeta, romancista e estudioso das poéticas da voz e,
talvez seja por essa última característica de suas pesquisas que o professor Fábio
nos tenha apresentado a ele.
O
professor conta que foi a experiência de Zumthor que levou o estudioso a pesquisar
as manifestações vocais desde a idade média. Zumthor, quando criança, toda vez
que saia do colégio, passava perto de algum lugar onde estava acontecendo uma
apresentação com música, encenação, leitura. Anos mais tarde, quando ele foi procurar
saber o que eram aquelas coisas de maneira separada percebeu que aquilo só
fazia sentido naquela época e quando ocorria em conjunto.
Fábio
falou ainda sobre a experiência de Luciano Berio com a vocalidade. Contou-nos
que em uma entrevista Berio disse que, quando criança, ouviu o quarto movimento
de La Boehme e à época nem imaginava
o que era aquilo, mas que aquela experiência ficou tão marcada nele que fez com
que o compositor, anos mais tarde, se dedicasse à escrita de música vocal de
maneira profícua.
Segundo
Fábio, todos esses exemplos servem para ratificar a questão de “a experiência é
anterior a conceituação”. E de certa maneira, dependendo da intensidade da
manifestação, ela poderá ficar marcada e se manifestar futuramente na vida da
pessoa que a teve. Às vezes ficamos mediando a experiência que o indivíduo vai
ter. Inibimos a pessoa por não achá-la preparada para entender aquilo, mas pode
ser que a conceituação venha anos mais tarde.
Fábio apresentou sua ideia de
antropologia da voz. Segundo o professor, em qualquer lugar onde você vá existe
a voz. A voz pode servir para estudar um povo, seus costumes e tradições.
Para
ele, a voz é como um símbolo sonoro, termo que tem origem em “evento sonoro
simbólico”, conceito presente no livro A
afinação do mundo (2001) de Murray Schafer. Para o autor esses eventos são
sons que nos levam além das sensações mais latentes. Quando se pensa na voz,
pensa-se na questão da comunicação apenas, mas ela pode ir além. Segundo Fábio
a voz tem a propriedade de transmitir mais que informações, mas também sensações
e situações, como a sirene de um colégio ouvida anos depois que a pessoa saiu
da escola. Aquilo não tem a mesma finalidade de anos atrás, mas trás uma
sensação ou lembrança.
Para o professor, quando
você propõe jogos vocais, todas essas questões podem estar presentes na aula,
mesmo que não seja dito ao aluno. Esses jogos vocais servem mais para preparar
a audição do aluno para o que virá a seguir. Essa ideia vem da educadora musical
Bernadete Zagonel, principalmente provenientes do artigo Um estudo sobre a Sequenza III, de Berio: para urna escuta consciente em sala de
aula. Tal abordagem se aproxima muito das “chaves de escuta” apresentadas
Reibel.
Outra
referência de Fábio para criar seus jogos vocais é Murray Schafer que,
principalmente no livro Educação sonora
(2009), trata da questão dos jogos, vocais ou não. Além disso, o professor
busca apoiar-se nas ideias de impressão (ouvir) e expressão (fazer) provindas
de Schafer.
Da
área de regência e canto coral o canadense Jean Barton é outra aporte. Muitas
vezes encontramos alunos que não afinam. Segundo Fábio, ele propõe vários
trabalhos de estímulo vocal de maneira que o aluno comece a usar a voz como
ferramenta para se expressar musicalmente. John
Paynter é a última referência para os jogos vocais propostos pele professor.
Como exemplo cita a última parte do livro Sound
ans structure, em que partindo de uma estrutura clássica da música, propõe um
trabalho de construção vocal. O que será o novo é a maneira como você vai usar
sua fonte sonora e não a ferramenta estrutural, citando como exemplo a peça de
Barnard Rans – Sound Patterns.
Para Fábio, depois de vivenciar as
experiências com jogos vocais, a próxima etapa é o professor começar a criar
seus próprios jogos. O aluno não precisa saber por que está fazendo o jogo a
princípio, mas o professor tem que saber a finalidade – as coisas que ele quer
desenvolver no aluno.
Fábio
no encerrou a aula dizendo:
“Eu não queria trazer nenhuma receita para vocês, mas um pensamento
sobre a voz, a vocalidade, o uso da voz nos seus diferentes contextos; estimulá-los
a pensar em jogos vocais [...]. Ter sempre a ideia de
que não é pegar a receita e aplicar. É olhar, ver, analisar e discutir consigo mesmo
aquela ideia e procurar, a partir disso, criar. [....] Os jogos vocais, na
minha concepção tem se mostrado como uma maneira bastante interessante de
pesquisa, de trabalho, exploração dos recursos vocais. [...] A ideia não é
trabalhar a voz de cantor [...] mas, como Paul Zumthor fala: em qualquer
sociedade em que você vá, você tem a manifestação vocal, tem a voz e você
começa, então, penetrando nessa manifestação, a ter indicativos de como essa
sociedade pensa, age, etc. Desafio vocês a construírem seus jogos vocais”.
Aula do dia 13 de Junho – Encerramento
Não encontramos maneira melhor de encerrar as descrições e reflexões
deste portfólio do que com as próprias palavras da professora Marisa Fonterrada
em diálogo com os alunos no encerramento do curso:
Sobre o curso e
a turma
Marisa Fonterrada: “ninguém é UM
que sabe. Todo mundo sabe alguma coisa; é uma troca. [...] Eu vi que vocês são
uma ‘comunidade de aprendizes’”.
Aluno: “Os primeiros exercícios
que a gente fez com as palavras... [...] A gente vai aprendendo a lidar com
isso.
MF: Primeiro tem um estranhamento.
A: Se você lembrar do que foi no
começo e o que está aqui. [...] ...uma evolução absurda.
MF: não é sempre que isso acontece
[...] é o fato das pessoas se permitirem tentar [...] tem que se entregar”.
Sobre a prática
criativa e as experiências reflexivas do curso
MF: “Deixa só eu falar uma coisa:
uma das coisas que eu lembro da Chefa sempre comentar sobre a improvisação
livre é isso que cada uma traz a sua história, a sua experiência. Isso é muito
legal, porque, realmente, quando você ouve, é uma coisa que está saindo na
hora, mas a sua bagagem está ali. Então você ouve uns lances de jazz, de MPB,
de música concreta. Você não se desliga de você mesmo. [...] Sempre vem à
tona... é uma coisa tua”.
MF: “[...] a sua experiência
musical se reflete na qualidade, senão a gente tende a pensar que é uma coisa
que todo mundo faz; é fácil pra todo mundo. O acesso é fácil, mas a competência
musical vem com o trabalho e esse trabalho não pode ser desvinculado do
trabalho que você tem mesmo; de suar em cima do instrumento pra adquirir
técnica. Pra gente não ficar pensando que de repente joga tudo fora... ficar
repetindo é uma chatice... [...] e não é por aí. Aí que é a habilidade do
professor de saber que hora que ele tem que sistematizar, repetir coisas. Como
em uma escola de línguas, que você tem tantos exercícios chatos de repte,
repete, repte... pra aprender a estrutura, antes de poder dominar a língua e
falar o que bem entende; não pode esquecer disso.
É muito fácil se resvalar para o
lado contrário e achar que é só criar... Como vocês já são músicos é só criar
mesmo. O resto está pronto; estão, dá o estímulo vem. Mas, às vezes, o trabalho
que vocês tem com alunos de outros níveis, você tem que se deter... por
exemplo, vou trabalhar sobre trinado, mas o carinha não sabe fazer trinado...
então, como ele vai desenvolver esse trinado? Às vezes isso demora um mês. Você
tem que ter habilidade para ir misturando... fazendo improvisações com coisas
que ele é capaz de fazer, com alguma dificuldade que ele consegue transpor e,
paralelamente trabalhando outras coisas que às vezes demoram mais pra ser adquiridas.
Isso que eu sinto que está
faltando nos discursos. Ou a pessoa fica muito na retaguarda e só faz coisas
muito técnicas, como interpretação de música pronta, ou então você cai no outro
discurso que é meio irreal... você faz um monte de improviso, mas não sai
daquele nível; não consegue, musicalmente, avançar. [...] Você não consegue se
desligar de fazer exercício de bater [batendo pé e palmas em um ritmo]. Porque
se eu não sei o que é pé esquerdo, pé direito, se eu não seu bater palma no
ritmo, tem que fazer pra aprender. Isso é básico na música; não é reinventar a
música.
Eu acho que tem uma diferença
entre não alcançar e superar. Por exemplo, ele não sabe fazer pulsação... ele
faz torto, se engana, não consegue imaginar o tempo... ou então, faz três [três
batidas de palma], espera três [três tempos de contagem mental]... são
exercícios extremamente difíceis porque dá uma ansiedade, bate em qualquer
lugar; tem que aprender isso. Outra coisa é superar. Todo mundo já aprendeu
pulsação? Todo mundo consegue fazer subdivisão? Sabe fazer pausa do tamanho da
batida? Então, agora, isso você já dominou. Agora vamos mudar; vamos pra
frente. Vamos misturar coisas, inventar coisas que não estavam previstas. Esse
é o papel do professor. E, também, acreditar muito na capacidade do aluno,
porque ele tem uma história; ele tem experiências que ele traz dele mesmo. Ele
pode não ter algumas informações que você tem e que são importantes. [...] Ele
tem uma outra história. [...] Aprender a ouvir em todos os sentidos”.