Portfólio

Fotografia de John Paynter (PAYNTER, 1972)

Aula do dia 14 de Março

O trabalho da Profa. Dra. Marisa Trench de Oliviera Fonterrada atualmente é associado ao do educador musical, compositor, músico e pensador canadense Raymond Murray Schafer (1933), principalmente por seu contato direto com os pensamentos do compositor.
A educadora traduziu para o português diversos de seus livros, quais sejam O ouvido pensante (2011;1992), do original The thinking ear (1986), A afinação do mundo (2001;1997), do original The tuning of the world (1977) e Educação Sonora (2009), do original A sound education (1990), além de ter escrito um livro sobre sua experiência no Wolf Project e sobre o ciclo musical-teatral Patria do compositor, sendo este O lobo no labirinto (2004). Somando-se a esse rol de publicações diversos artigos em livros e congressos exprimem tal aproximação.
Segundo a professora, Schafer, tão conhecido no Brasil, nunca atuou como professor regular em escolas, a não ser em projetos, sendo mais conhecido como um pesador musical. Daí busca da educadora em tratar também de outros educadores musicais contemporâneos em seus cursos. Nesse sentido, Marisa optou por priorizar em sua disciplina, oferecida ao Programa de Pós Graduação em Música (PPG-Mus) do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (IA-UNESP) no primeiro semestre de 2014, o educador musical inglês John Paynter.
Sendo ela, Paynter trabalhou em escolas ou ligado a elas a vida toda, entretanto sempre criticou o sistema fechado desses centros de ensino. Ele queria tratar das questões contemporâneas da música e fazer com que os alunos tivessem o estímulo pelo criar. Além disso, como professor, Paynter sempre buscou conectar seus conteúdos e maneira de ensinar com outras disciplinas, sendo essa uma característica muito marcante em seu primeiro livro Sound and Silence de 1970.
Em nosso primeiro encontro iniciamos uma breve discussão sobre a educação musical, questão esta que frutificou durante todo o curso, principalmente devido à origem dos componentes da turma, não sendo apenas educadores musicais, mas também estudantes de outras áreas da PPG-Mus, bem como músicos interessados que participaram como alunos especiais.

Acerca da Educação Musical
Somente no século XX é que surgiu essa classe conhecida hoje como educadores musicais, pois até o século XIX o ensino de música não era algo sistematizado com um processo educacional. Foi no século XIX que surgiram os primeiros conservatórios que buscaram criar uma matriz curricular que é a base do ensino musical tradicional/ocidental até hoje.
Essas escolas buscavam se basear no ensino da técnica e na repetição para o aprendizado de música. Entretanto, mesmo alcançando resultados, esse ensino se restringia a uma classe que tinha poder aquisitivo para tal. Além disso, ainda prevalecia o paradigma do dom.
No início do século XX, com as ideologias já se modificando em outras áreas, o campo do ensino de música também passa a ser afetado. Dessa maneira, uma nova classe de educadores musicais surge com uma proposta de aproximar o ensino de música a todas as pessoas. Estes, atualmente, são conhecidos como educadores musicais da Primeira Geração, responsáveis pelos métodos ativos. Dentre os mais conhecidos no Brasil, Marisa Fonterrada, em seu livro De tramas e fios (2008), ressalta Émile-Jaques Dalcroze, Edgar Willems, Zoltán Kodály, Carl Orff e Shinichi Suzuki.   
            Nas páginas seguintes à apresentação dos responsáveis pelos métodos ativos, no mesmo livro, Marisa Fonterrada inicia um diálogo sobre a Segunda Geração de educadores musicais, conhecida pelo que chamamos hoje de métodos abertos em educação musical.
Tendo florescido em meados da década de 1950, principalmente na Europa e na América do Norte:

"Os educadores musicais desse período alinham-se às propostas da música nova e buscavam incorporar à prática da educação musical nas escolas os mesmos procedimentos dos compositores de vanguarda, privilegiando a criação, a escuta ativa, a ênfase no som e suas características, e evitando a reprodução vocal e instrumental do que denominavam ‘música do passado’"(FONTERRADA, 2008, p.179).

Foi nesse contexto conceitual e histórico que fomos apresentados ao educador musical John Paynter ao lado de outros como George Self e Murray Schafer. Sendo assim, Marisa nos conduziu em uma atividade do segundo livro de Paynter, Hear and now, de 1972.

Padrões sonoros: objetivo

"1)      Individualmente, cada um da classe deve escolher qualquer parágrafo de um texto qualquer (aproximadamente um minuto de leitura) – jornal, livro, um poema, um problema de matemática, etc., ou escrever seus próprios textos.
2)      A classe deve ler alto e simultaneamente seus textos de maneira normal.
3)       As propriedades básicas agora devem ser aplicadas da seguinte forma:
(a)    Duração: Séries de diferentes durações, de um segundo até um minuto, podem ser livremente escolhidas para demonstrar isso. O começo e o fim devem ser indicados por gestos apropriados de regência.
(b)   Velocidade/Articulação: Essas podem variar da mais rápida maneira de ler até a mais lenta pronúncia de cada palavra.
(c)    Volume/Intensidade: Esse pode variar entre o quase inaudível sussurro e o grito.
(d)   Altura: Essa pode variar entre a mais aguda e mais grave notas da extensão vocal e pode, em um estágio posterior, ser associada mais especificamente com as vozes masculinas e femininas, respectivamente" (PAYNTER, 1972, p. 32, tradução nossa).

Além dessas sugestões Paynter cria outras opções para desenvolver musicalmente o texto. Orienta para que a classe seja dividida em grupos e colocada em diversos pontos da sala, criando a dimensão espacial da música. Propõe que as palavras do texto sejam divididas em sílabas e que sejam lidas apenas as primeiras e as últimas sílabas de cada palavra, aguardando em silêncio o tempo das outras sílabas; ler apenas as palavras monossílabas; só palavras com p, b, p; palavras com s, ss, ç; m, n; criar ostinatos rítmicos com as palavras do texto.
O que se observa nessa atividade é a necessidade de uma exploração individual no coletivo da fonte sonora. O educador prova que não é necessário usar apenas instrumentos musicais para se tratar de conhecimentos musicais, pois para cada uma das atividades propostas existe a necessidade de se explicar um conceito musical novo.
Além disso, executando a o “jogo”, foi possível perceber o envolvimento das pessoas aos perceberem o seu som em consonância ou dissonância com o som produzido pelos outros membros da classe. Na grande “confusão” de sons que se formava ao cada um ler o seu próprio texto existia o que Paynter viria a abordar em seu livro Sound and structure, de 1992, que é a necessidade de se ter uma estrutura sonora para tornar a linguagem musical comunicativa de fato. 

Aula do dia 21 de Março

Artigo do livro de Violeta Gainza
O artigo Mundo sonoro interno: una extensión del concepto pichoniano, do livro El rescate de la pedagogía musical escrito pela educadora musical argentina Violenta Hemsy Gainza foi o que deu início ao segundo encontro do curso.  
Dentre as questões apresentadas e discutidas em classe, a turma chamou atenção para o fato de o mundo externo ser percebido pelos nossos sentidos, o que leva a formar um mundo interno particular.
Violeta Gainza traz esse conceito para música, falando sobre o mundo sonoro interno (MSI). Segundo ela, cada pessoa tem uma potencialidade musical; basta ser estimulada. Tal fato vem ratificar a necessidade de um professor mediador do aprendizado. Cabe a ele mostrar esse potencial aos alunos.
Muitas pessoas vivem cercadas pelos sons, mas não os vivem, quiçá os organizam, assim como um músico profissional ou um educador musical devem fazer. O som está presente, mas quem ouve não sabe como utilizá-lo e, mais comum do que se imagina, muitas vezes nem o percebe.
Essa potencialidade citada por Gainza vem ao encontro daquilo que foi falado na primeira aula do curso quando se fez um breve histórico do surgimento do educador musical, pois tal capacidade inerente a todas as pessoas vem quebrar o paradigma romântico do dom. Dessa forma, assim como qualquer outra capacidade, o ser humano precisa ser estimulado.
Mas uma vez a atitude se volta para o professor, pois uma das primeiras formas de estímulo e absorção com relação aos fatos do mundo é a imitação, logo, mais do que nunca, importa a atitude do docente.
Por ser pessoal como uma impressão digital, o mundo interno, pode ser tão forte e levar as pessoas a vivenciá-lo como se fosse real – e isso acontece muito com os artistas. Tal fato parte pelo mundo subjetivo em que a obra está dentro de você e você está dentro da obra. E essa constatação vem desmistificar a ideia dual homem/obra de arte, pois dessa forma arte e artista são um só; característica primordial da arte.
Segundo o conceito de mundo sonoro interno (MSI), as experiências sensoriais precisam ser organizadas por aqueles que as ouvem, afinal o MSI é influenciado por todas as situações, em todos os sentidos. Isso vem quebrar o senso de que se aprende música do marco zero, pois todos nós já tivemos experiências que formaram nosso MSI.
Tal concepção fica clara quando se pensa que é possível imaginar sons musicais ou não-musicais dentro cabeça; lembranças. Transportando isso para música temos o fato do músico conseguir criar na cabeça – internamente – o som que ele vê na partitura, como se o que os músicos chamam de ouvido interno também fosse um instrumento musical, mas apenas para si mesmo.
A autora do artigo ainda apresenta que o MSI pode ser influenciado pelo mundo externo ou pode ser essencialmente subjetivo – criando na cabeça. Dessa forma, uma paisagem sonora, para ser lembrada internamente, exige uma vivência com o som. Daí, um certo tipo de atividade, nessa linha de ação, funcionar ou não com uma turma de alunos específica.
Diversas questões poderiam ser levantadas com relação à importância de se considerar um MSI, todavia as discussões que surgiram em sala foram no sentido de conhecer o conceito deslocado por Violeta Gainza para o campo da educação musical. Cabe ressaltar que a relação do texto da educadora com o contexto das aulas que viriam a seguir no curso é de extrema relevância, principalmente quando se pensa no sentido e experiências sonoras que criador necessita para compor suas próprias obras musicais.
Dessa forma, sendo essa uma das características mais desenvolvidas no decorrer das aulas seguintes, tivemos que considerar as experiências de todos os integrantes da classe para realizar as atividades sugeridas por John Paynter em seus livros. Nosso MSI, sem dúvida, foi importante para passarmos por todo o processo de exploração, experimentação, criação e registro sonoro das composições feitas em classe.

Leitura do livro Hear and now
            O título do livro de Paynter de 1972, Hear and now, expressa uma brincadeira sonora que o educador faz com as palavras em inglês hear e here, pois sendo as duas de pronúncia igual, sugere uma dupla interpretação entre aqui – here – e ouvir – hear –, tanto que a versão argentina do livro ficou traduzida como Oír aquí y ahora (1991) – Ouvir aqui e agora.  Talvez Paynter tenha utilizado do recurso de linguagem para sugerir aos leitores de seu livro que o processo de ouvir/escutar necessitasse ser iniciado o mais rápido possível, independente do lugar e situação. Aqui e agora.
O livro portador deste título expressa tal necessidade de começar o processo de educação musical a partir de atividades simples e criativas. Sendo assim, da leitura do terceiro capítulo do referido volume – Colorful sounds around us – chamamos a atenção para a questão da música como arte que acontece no tempo, sendo a música contemporânea, entre outros aspectos característicos próprios de si, portadora dessa informação. Entretanto, ao mesmo tempo ela vem com um novo sistema – gravação – que transforma a música em um registro sonoro, coisa que não existia antes quando a música era apenas um evento sonoro temporal.
Quando a chamada música contemporânea inicia seu processo de consolidação no início do século XX os sistemas de gravação já existem, o que transforma sobremaneira essa relação do som com o tempo. Anteriormente a esse evento era preciso estar presente no tempo e no espaço em que a música era feita para poder ouvi-la; agora não mais. A música pode ser ouvida em lugares distantes e em momentos temporais distantes daqueles em que ela foi executada.
            Entretanto, a despeito da relação que se tem com a linguagem sonora atualmente, a música permanece com sua característica de ser momentânea, afinal a gravação não representa todas as sensações pelas quais a música, por completo, é percebida. A música permanece como uma experiência para ser ouvida, vivida e escutada. Essa percepção permite aproximar das questões sugeridas por Paynter de um aprendizado prático e vivencial dos conteúdos musicais, que no caso do educador deve ser feito por meio da ferramenta criativa.

Aula do dia 28 de Março

A educadora musical brasileira Bernadete Zagonel no artigo Em direção a um ensino contemporâneo de música de 1999 nos diz que é preciso que o aluno “tome consciência do mundo sonoro, dos parâmetros do som, do silêncio, dos ruídos exteriores e corporais”, por meio do “movimento, do jogo, do imaginário”. Tal percurso conduziria a uma “atitude criadora desenvolvendo qualidades necessárias à musicalidade, à sensibilização auditiva, à escuta dos parâmetros e à organização dos sons”.
Foi na mesma linha de raciocínio da educadora, buscando partir de jogos de movimento, sonoros, imaginários, condicionados à sensibilização auditiva e à organização do som que iniciamos o terceiro encontro do curso.
Em uma atividade prática de aquecimento, sugerida por Bernadete Zagonel em seu livro de 2011, Brincando com música na sala de aula, lançamos uma bola imaginária que produzia um som ao sair da mão daquele que a jogava e soava com outro som quando tocava na mão do receptor da bola. Tal atividade, assim com aquela descrita no primeiro encontro, permite perceber como tarefas simples podem nos mostrar o potencial de exploração e organização do som por meio de jogos.

Os sons coloridos a nossa volta
Dando continuidade à leitura do terceiro capítulo – Colouful sounds around us – iniciado no encontro anterior, partimos para as atividades práticas. Na parte inicial do capítulo Paynter sugere criar uma composição a partir de uma escuta do ambiente no período de 30 segundos. Uma linha do tempo sonora.
Esse tipo de atividade exige dos integrantes uma escuta aprimorada, pois o som que parece inicialmente simples, mostra-se com vários meandros no momento de perceber suas características e anotá-las na linha do tempo. O que mais dificulta e, ao mesmo tempo o torna interessante, é que são sons inesperados e complexos. Sons agudos e graves acontecendo ao mesmo tempo, timbres incomuns que não trazem claros suas fontes sonoras; um verdadeiro exercício, não só de escuta sonora, mas também de percepção sonora – nos termos tratados pelo ensino de música.
Para dar prosseguimento à atividade um dos integrantes do nosso grupo enviou mensagens via celular pedindo para que seus contatos lhe mandassem gravações de 30 segundos dos lugares de onde estivessem. Dentre as gravações recebidas, a escolhida pelo grupo foi a de uma formatura militar que acontecia no Rio de Janeiro, no momento da aula.

Da gravação foi confeccionado o seguinte esquema gráfico para os 30 segundos:

Registro gráfico da Música para 30"
     O que é interessante observar com essa atividade é que Paynter fornece um pensamento didático para a criação de uma composição. Por mais simples que pareça, por meio da sistematização e organização do som, a atividade exige dos criadores/executantes o aprimoramento da escuta.
         Além disso, são tratados diversos elementos musicais como, primeiramente, a escuta minuciosa dos sons do ambiente, mesmo que gravados, a distribuição temporal desses elementos sonoros, a capacidade de discernimento de fontes e timbre sonoros, espacialidade do som e registro gráfico. Posteriormente Paynter sugere que a peça seja executada vocalmente tentando se aproximar ao máximo dos sons ouvidos e registrados e, em seguida, que a composição seja executada com instrumentos musicais, demonstrando um processo de criação completo que pode ser conduzido pelo professor em sala.

 O longo e o curto
        Para Paynter um dos segredos para se aumentar a possibilidade de criação e apreciação musical é ouvir muitas vezes; estar de ouvidos abertos.
            No quinto capítulo do livro Hear and now intitulado The long and the short of it, especificamente opta por falar sobre os ritmos da música e inicia fazendo uma comparação entre as limitações dos sistemas musicais estabelecidos. Para demonstrar isso se utiliza do sistema dodecafônico de Schoenberg e afirma que o mesmo trabalha com séries que também são “rígidas”, entretanto mais variável que o sistema maior/menor – tonal.
            Dando prosseguimento explica que o ritmo é um conceito mais abrangente do que o que lhe foi dado – no sentido de pulso, acentuação, compasso. Paynter afirma que ritmo não necessariamente precisa ter pulso ou métrica. Ritmo é apenas o movimento. Para o autor é preciso ter um sentimento rítmico; um senso de saber quando as coisas vão acontecer.
             Dentre as tarefas que descreve nesse contexto, algumas se destacam. Para tratar de ritmos aleatórios ele sugere que cada um escolha um instrumento qualquer de percussão que ressoe. Uma pessoa toca. A outra pessoa só tocará quando o instrumento anterior parar de ressoar. O autor aproveita, em atividades como essa, para relembrar como é importante escutar – tocar em função do outro. Ainda na mesma linha de pensamento, sugere que todos os instrumentos toquem juntos e só voltem a atacar a nota quando o último parar de soar. O mesmo pode ser feito também com uma série de notas aleatórias pré-estabelecidas sendo tocadas em instrumentos diferentes, criando um contraponto com a mesma melodia, já que cada instrumento tem um tempo de ressonância diferente.
Isso serve para mostrar como a ideia de ritmo existe nessas atividades, entretanto ele é regido por outro princípio – aqui a ressonância – podendo ser qualquer outro, estabelecido antes da atividade.  Paytner ainda reforça que é necessário estar aberto para escutar novas possibilidades e que para isso é necessário cultivar a sensibilidade, ou seja, a percepção.
Após tratar das músicas com ritmo aleatório, Paynter acrescenta que sejam praticados os sons com ritmos irregulares e para isso sugere que esses sejam executados em função de um mesmo pulso, mas com acentuações diferentes. Como exemplo cita os padrões rítmicos presentes em algumas obras de Igor Stravinsky, como a Sagração da Primavera. O educador nos diz que precisamos passar a pensar em músicas em compassos mistos com 5, 7, 11 e 13 tempos.
Para isso Paynter conduz um percurso que aproxima a escuta e a execução de ritmos como esses. Sugere que grupos de compassos mistos sejam decompostos em outros mais simples para serem executados criando padrões de acentuação em instrumentos agudos e graves.

Subdivisão de cinco tempos (PAYNTER, 1972, p.53)
Depois das experimentações e testes com as acentuações Paynter pergunta se seria possível fazer algo a mais com esses ritmos irregulares. Algo como uma composição. E sugere:

"Com um grupo tocando em alguns instrumentos de percussão de alturas diferentes, experimente uma peça de improvisação que use diferentes padrões rítmicos juntos e simultaneamente, de maneira que eles sejam sobrepostos produzindo interessantes acentos cruzados" (PAYNTER, 1972, p.55. Tradução nossa).


Padrões rítmicos sobrepostos (PAYNTER, 1972, p.55)
Para o educador, qualquer atividade deve ser considerada como música, tanto que costuma nomear todas as criações que são feitas em sala. Tal atitude cria um sentido de finalidade musical para aqueles que participam das atividades.

Aula do dia 04 de Abril

Aula ministrada pela Profa. Dra. Leila Rosa Gonçalves Vertamatti e pela Doutoranda Camila Valiengo

Chaves de escuta
            Baseado no livro Jeux musicaux: jeux vocaux de Guy Reibel, publicado em 1984,  Leila Vertamatti nos falou sobre o trabalho desenvolvido pelo educador no sentido de criar ferramentas para a escuta de um material sonoro novo/diferente, pois uma das grandes dificuldades com relação à apreciação de música contemporânea é buscar ouvir nela elementos da música tonal. Essa constatação sugere um dos porquês dessa música não ser apreciada.
            É preciso criar chaves de escuta para procurar observar os elementos “certos” nessa música diferente da tonal ocidental e o objetivo de Reibel não é modificar o gosto musical, mas mostrar que é possível perceber e ouvir outras possibilidades sonoras.
            O conceito apresentado pela professora relaciona-se com o conteúdo do curso principalmente no que tange a “abertura de ouvidos” necessária para que as atividades propostas por Paynter em seus livros sejam desenvolvidas. Não nos caberia tentar elaborar processos de criação que buscassem, ao final, a construção de uma música do passado, mesmo que aspectos dessa fossem possíveis como caminhos para construir composições, como Paynter traz, por exemplo, no projeto treze de seu livro Sound and structure (1992), intitulado A classic structure.
            Somando-se a isso, criar chaves de escuta torna-se uma atividade que permite ter contato com outros exemplos de linguagem musical fora do nosso cotidiano auditivo. Podemos e devemos escolher as músicas que gostamos de ouvir, todavia nos é obrigatório, como músicos ou professores de música, saber ouvir e apreciar diversas manifestações sonoras.

Improvisação livre
            A compositora e improvisadora Chefa Alonso é saxofonista e percussionista de free jazz e improvisação livre. Como co-fundadora do Musicalibre tem organizado durante vários anos o Festival Internacional de Improvisación Hurta Cordel em Madri. Além disso, a instrumentista realiza uma importante atividade docente dando oficinas de improvisação a músicos, atores, poetas, bailarinos e professores de música.
            Foi em uma dessas oficinas, realizada no Brasil em setembro de 2012, que a doutoranda Camila Valiengo teve contato com as técnicas de improvisação livre aplicadas à educação musical. Segundo Camila o contato com as técnicas e atividades propostas por Chefa durante uma semana foram transformadoras no sentido de entender o processo de construção de uma improvisação livre. Para ela a improvisação livre se tornou uma ferramenta fundamental como processo de apropriação e criação musical.
Segundo Camila, na improvisação livre defendida por Chefa Alonso, a música nunca é feita sozinha; depende muito da relação entre as pessoas. Uma atitude de escolha em fazer algum gesto sonoro vai depender de como o “outro” responde em relação ao estímulo do um – também “outro”.
É nesse sentido que ainda no prefácio do livro Improvisación libre: la composición en movimiento, publicado em 2008 por Chefa Alonso, Gonzalo Abril traz a seguinte afirmação:

"[...] as práticas de improvisação formam parte da atividade e da experiência cotidiana; inclusive quando ocorre também nos contextos particulares da improvisação artística, o improvisar consiste em ajustar o curso do comportamento e das exigências da interação com os demais, a multiplicidade dos contextos vitais, a contínua construção da realidade e da ordem que é exigida pelas necessidades de dar sentido e continuidade a nossas experiências. Claro que nem todos os serem humanos são igualmente criativos, nem capazes de encarar o inesperado com a mesma totalidade nem com os mesmos recursos práticos. [...] Mas provavelmente essa capacidade é, para a raça humana em seu conjunto, o que mais se aproxima do conceito mesmo de ‘vida’" (ALONSO, 2008, p.9. Tradução nossa).

            O ato de improvisar, nesse sentido, é uma atividade cotidiana com a qual somos levados a conviver para sobreviver. Aprendemos sobre ele e o utilizamos mesmo sem pensar sobre. Cabe ao educador musical a tarefa de mostrar aos alunos que, assim como aprendem sobre o mundo por meio de gestos práticos de improvisar para sobreviver, também podem aprender música praticando o ato de improvisar musicalmente.
Os conceitos e conteúdos para uma aprendizagem musical válida para os alunos levá-los-á a perceber os sons existem em todos os momentos do cotidiano.  A improvisação pode vir a ser o primeiro contato com o universo de uma linguagem sistematizada da música que se sistematizará para o aluno por meio de sua vivência prática. Uma construção pessoal do fazer musical e de sua relação com o ambiente sonoro.
Tal atitude vem ao encontro daquilo que Paynter defende como a estruturação do som, principalmente em seu livro Sound and structure (1992), bem como com sua proposta de criação, com o pensamento de Mundo Sonoro Interno de Gainza e de chaves de escuta de Reibel, demonstrando a conexão dos assuntos que até aquele momento formavam a base da disciplina.

Conselhos para improvisar
Chefa, no curso que ministrou no Brasil, deixou as seguintes dicas para improvisar:

  • Acredite no que faz. Nada funciona sem convicção;
  • Teu instrumento (a voz, o corpo ou qualquer instrumento musical) tem um registro muito amplo. Não se prenda ao registro médio. Experimenta com os extremos;
  • Busque novos sons e ruídos em seu instrumento. Tente tocá-lo como outro instrumento, falar como outra pessoa, mover-se com outra personalidade;
  • As frases não podem ser só ascendentes ou descentes. Tente tocar, mover-se ou cantar com outras formas: em picos, blocos, espirais.
  • Construa seu solo como uma pequena história. O queres contar?
  • Além de frases (uma sucessão de palavras ou de notas), você pode criar outros discursos: manchas, nuvens, pontos.
  • Não insista no que já conhece. Arrisque-se a provar coisas novas;
  • Não tenha medo do ridículo, não é mais que uma fórmula contra a sinceridade. Seja você mesmo;
  • Na dinâmica, os refinamentos do som são a alma da comunicação. Aprenda a usar todos os seus registros e tenha-os sempre presentes;
  • Um erro pode ser unicamente um acerto involuntário;
  • Não tenha medo de errar. Tenha medo de não ser interessante;
  • É muito importante manter viva a energia;
  • Não seja em princípio muito meticuloso. Toca, atua, dança. Todos os processos no início são difíceis, desajeitados e raros.
  • Não espere uma entidade completa e pronta. A ideia (ou ideias) deve ser mantida em estado de fluxo.
  • Aproveite!

Passos além da fronteira
Ainda neste encontro assistimos alguns trechos do filme Step across the border: a night celluloid improvisation by Nicolas Humbert and Werner Penzel – music by Fred Frth and friends de 2003.
O filme abordou alguns pontos interessantes que foram ressaltados pelo grupo:
·         A questão da improvisação livre no free jazz e a diferença entre compor e improvisar que, na verdade, rompe com os parâmetros pré-estabelecidos;
·         Crianças vivenciando os sons: batendo em panelas livremente e um bebê em momento de musicalização, onde o mesmo responde tocando, ao ouvir e ver o adulto cantar; o bebê dança e bate palma ao ser incentivado, ao ver e ouvir o adulto chacoalhar uma maraca;
·         Cenas com sons e cenas com ausência de som, trabalhando os sentidos da visão e audição simultaneamente, através de paisagens sonoras;
·         Catarse de um guitarrista, que tem a liberdade de tocar estourando cordas, gritando, desafinando, batendo em seu instrumento, criando sua forma de tocar e cantar a partir de uma estrutura prévia, desconstruindo propositalmente e criando um novo som; uma nova música.

Atividade prática
Como atividade prática proposta por Leila, todos fomos convidados a cantar as notas “dó si lá sol fá mi ré dó” simultaneamente e com mesmo ritmo. Em seguida era cantada a mesma sequência, cada um em seu ritmo.
Através da vivência, a professora convidada pode esclarecer o processo para se chegar a construção de uma sonoridade nova. Dependendo, impreterivelmente, das experiências exploratórias que nos ajudam a alcançar um repertório mais vasto, fica difícil não haver mudanças e, por assim dizer, através dessas transformações, do coletivo surge um novo.
Ao falarmos de construção estamos falando de criatividade e de improvisação e isso significa: um processo profundo de pensamento criador, de perceber o outro e de trabalhar com o inusitado.

Aula do dia 25 de Abril

Neste encontro realizamos atividades práticas baseadas no capítulo cinco, The long and the short of it, do livro Hear and now (1972). Em um primeiro momento desenvolvemos a proposta de Paynter baseada haikai The folling leaves (PAYNTER, 1972, p.50-51). Com o auxílio do piano começamos a cantar as terças menores descendentes:

C  A  B  G#___   A  F# G# F___   G  E  F#  D#  F  D___

A princípio todos cantavam a sequência de notas em uníssono, em seguida cada aluno cantava em diferentes tempos e, finalizando, a sequência de notas era cantada livremente, criando uma malha sonora. Partindo dessa vivência seguimos para a parte da letra do haikai e, assim, realizamos a mesma proposta utilizando palavras, seguindo a mesma linha melódica.

The falling leaves
Fall and pile up
The rain beats on the rain
           
Essa proposta nos mostrou como uma atividade simples pode sugerir uma complexidade maior do que a que se imagina inicialmente. Cantar as terças menores isoladas não seria uma atividade complicada, não fosse o momento em que se dividiram os grupos, cantando, cada aluno, a melodia em seu tempo. Como em um cânone inicialmente, a peça tornou-se mais complexa com o desenrolar das sugestões de Paynter, principalmente no que se refere à textura. Manter a melodia em um tempo de sua livre escolha exigia uma escuta minuciosa do que o outro estava fazendo, pois seria por meio do recurso de ouvir o outro que a afinação não se perderia.
Muito embora cada um pudesse focar-se apenas em sua voz para não desafinar, se isso fosse a máxima do exercício, perder-se-ia o caráter prático da atividade. A sensação de fazer a música e de poder ouvi-la ao mesmo tempo em que é construída é uma experiência sensorial estética importante.
Assim como no primeiro exercício prático proposto por Marisa no início do curso, era preciso sentir-se como executante e ouvinte da música que se criava.   
Posteriormente a essa atividade, em grupos, realizamos a criação de uma composição a partir de ritmos amétricos, com instrumentos de percussão (PAYNTER, 1972, p. 53-55) – atividade que foi descrita e discutida no encontro do dia 28 de Março.
Os processos de criação para essa composição foram diferentes em cada grupo. Em nosso grupo cada integrante estava com um instrumento de timbre diferente. Formamos duplas e pensamos em tempos distintos para as acentuações rítmicas em compassos variados – 4, 5, 7 e 11 tempos.
Cada dupla apresentou seu ostinato rítmico em sequência e em um segundo momento, após a primeira dupla iniciar seu ostinato com quatro repetições, as outras foram somando-se à composição com seus ostinatos distintos. Na mesma sequência que entraram os instrumentos, as duplas foram se retirando, finalizando com uma mímica rítmica do ostinato, congelando esse movimento.
Na segunda parte da aula a Dra. Consiglia Carrozo Latorre, professora convidada, relatou sobre sua pesquisa de doutorado – Sonoridades múltiplas: práticas criativas e interações poético-estéticas para uma educação sonoro-musical na contemporaneidade – defendida em 2014 e compartilhou informações sobre sua prática docente com os alunos da Universidade Federal do Ceará, bem como relatou sobre a vivência musical criativa que teve com Hans-Joachim Koellreutter, Conrado Silva e Chefa Alonso.
Consiglia ressaltou a importância do improviso instrumental como ferramenta pedagógica e o fato de nos tornarmos conhecedores do nosso corpo como um todo expressivo/musical, fato este ratificado pela experiência que teve em Portugal durante a sua pesquisa de doutorado.
Exemplificando isso, expôs suas impressões quanto ao posicionamento corporal de músicos, profissionais de teatro, dança, artes visuais e mídias, frente a um pedido simples: “Vamos levantar!”.
A pesquisadora e educadora contou que em sua experiência percebe que, na verdade, há diferentes atitudes, como “ressabiamento”, “prontidão”, “desânimo”, “inalteração” frente a atividades corporais simples no meio de estudantes e profissionais da área de artes. Segundo ela, tal fato é uma contradição, pois é nas artes que buscamos naturalmente a expressão.
Consiglia ressaltou ainda a importância da simplicidade nas ações educativas onde faltam recursos. “Há de se utilizar os meios presentes e a criatividade”, disse ela. Afirmação apresentada na prática pelo trabalho que a educadora desenvolve com os alunos da Faculdade Federal do Ceará.

Aula do dia 09 de Maio

Neste encontro iniciamos os trabalhos baseados no livro Sound and Structure (1992). Paynter considera este livro um guia e não um método. Nele podemos perceber a inserção da música como parte do desenvolvimento de algo além do musical – o humano – que fará trazer de volta a importância da música e suas significações e sentidos. Essa questão também é levantada por outros educadores musicais da segunda geração, principalmente por Hans-Joachim Koellreutter, tanto que em livro dedicado educador (2001), Teca Alencar de Brito, escolhe como subtítulo “o humano como objetivo da educação musical”.
Paynter, em Sound and structure, sugere acabar com a dicotomia criatividade e estruturação, unindo os dois processos:

  • Ter uma experiência exploratória musical e estruturá-la depois;
  • Partir de estrutura pré-estabelecida qualquer para criar música.
Para ele a música é uma arte criativa (compor), re-criativa (interpretar) e acreditamos em algo além: re-re-criativa (quando escutada e transformada pelo ouvinte). A partir desses conceitos cabe ressaltar que através da arte re-criativa podemos inventar, criar e recriar. Além disso, podemos escutar criativamente ou passivamente.
Em Composing, performing and listening (PAYNTER, 1992, p.11-13) aprendemos uma poderosa ferramenta para o desenvolvimento musical crítico. Entre composições, interpretações, execuções e audições é preciso ver a música para além do entretenimento. Mas como enxergar a linguagem musical com uma visão crítica? É preciso aprender como ela se faz; como ela se estrutura. Só assim o aluno poderá vê-la/ouvi-la com outros olhos/ouvidos.
Nas discussões em sala o pensamento de Paynter foi corroborado John Sloboda, que no livro The musical mind: the congnitive psychology of music de 1985, reforça que a expressão é derivada da estrutura e que é a partir da compreensão que há liberdade para imaginar e criar. Que a experiência e o experienciar são processos importantes.
A artista plástica Fayga Ostrower em seu livro Criatividade de processos de criação de 1977 nos fala ainda que todo processo de comunicação de uma linguagem artística passa por uma necessidade de se dar forma ao material com que se trabalha, que no caso da música é o som.
Somando-se a isso, através da história da música podemos contemplar a busca de modelos, onde a criação de estruturas de tempo exprimiam o sentido da existência humana. “Musicar a vida”. Para Paynter, a música, por ser uma arte que ocorre no tempo, precisa ser entendida e organizada nesse tempo. Precisa ser estruturada para ser compreendida. Isso faria com que o ouvinte passasse a ouvir a música por meio de outros mecanismos. Elementarmente o que Reibel propôs com suas “chaves de escuta”.
Paynter, nesse sentido, se aproxima dos paradigmas que acompanham o século XX, tanto que diante desses modelos de estrutura surgem questões acerca do espaço; de sua finitude versus o infinito. Coloca a questão da presença de uma herança musical construída através dos tempos e dos meios de comunicação como formadores de hábitos e, por isso, meios influentes à consciência humana. Ressalta um ponto em comum entre a vida e a música, na frase dita por Fritjof Capra: “A organização da vida não é linear, assim como a música”.
Na parte intitulada Using this book (PAYNTER, 1992, p.23-25), Paynter nos explica como foi pensada a estrutura do livro. Segundo ele o trabalho com música torna-se uma rede de interações entre assuntos como educação, técnica, significado, ideias, heranças, estrutura, som, que devem, impreterivelmente, para serem apropriadas da maneira correta, passar pela compreensão e apropriação dos assuntos a serem trabalhados, gerando sempre uma composição e uma execução.
Paynter, divide o livro em quatro grandes partes, quais sejam Sound into music, Musical ideas, Thinking & making e Models of time. Dentro de cada uma dessas partes são descritos quatro projetos referentes aos temas. Para o educador esses projetos não precisam nem devem ser executados em sequência. Eles podem ser utilizados pelo professor como uma ferramenta sem um ponto fixo de início ou final. Tudo dependerá da necessidade da turma.
O gráfico apresentado no livro proporciona liberdade de escolha de caminhos a serem tomados pelo educador:
Gráfico – Sound and structure (PAYNTER, 1992, p.24)

Aula do dia 16 de Maio

Este encontro foi dedicado à primeira parte do livro – Sounds into music. Optamos por realizar a tarefa três (PAYNTER, 1992, p.40) do projeto dois – Wind song.
Parte I, Projeto 2, Tarefa 3 – Birds
Neste projeto, Paynter sugere a utilização de sons encontrados no cotidiano das pessoas, que poderiam variar desde ruídos de motores de automóveis, ranger de uma escada rolante ou canto de pássaros.
Os sons selecionados para nosso trabalho foram o canto dos pássaros, a saber: Quero-quero, Uirapuru azul e Rouxinol do Japão.


Após a escolha, foram definidos quais instrumentos musicais seriam usados na execução da composição. Optamos pelo uso de três flautas doces, uma flauta transversal, um violão, um piano, um pandeiro e voz.
Iniciou-se, então, um breve debate acerca da maneira como esse material seria usado. Qual seria a melhor maneira de representarmos musicalmente os cantos dos pássaros selecionados?
Para a representação do canto do Quero-quero e do Rouxinol do Japão, optou-se pela transcrição da melodia cantada por esses pássaros. Nesse processo, notamos que essas melodias sugeriam formas de compasso irregulares. Diante disso, surgiu um primeiro impasse ao grupo: deveríamos permanecer fiéis a reprodução dessas melodias ou faríamos ajustes rítmicos/melódicos buscando um “arredondamento” das mesmas?
Para o canto do Quero-quero, optamos por um pequeno ajuste rítmico que garantiu a melodia desse pássaro um aspecto de “groove”, composto por quiálteras de colcheias executadas em ciclos de quatro tempos (4/4).
Para o canto do Rouxinol do Japão, optou-se pela utilização dessa melodia de forma integral, ou seja, sem nenhum tipo de ajuste rítmico ou melódico. Dessa forma, essa melodia, que foi cantada pela soprano do grupo, garantiu características poli rítmicas a composição.
A junção do canto desses dois pássaros acabou resultando em algo muito interessante. A melodia do Quero-quero executada por duas flautas doces, sendo uma soprano e outra contralto, de forma cíclica garantia uma característica tonal, enquanto a execução da melodia do Rouxinol do Japão impregnava à composição elementos modais (modo mixolídio).
Notou-se, em relação ao canto do Uirapuru azul, uma acentuada característica rítmica. Tal característica acabou induzindo o grupo a optar pela execução do canto desse pássaro por um instrumento de percussão – nesse caso, um pandeiro.
Com a inclusão desse terceiro elemento, reforçou-se o aspecto poli rítmico da composição, uma vez que a transcrição do canto do Rouxinol do Japão apresentava uma estrutura de cinco tempos (11/8 e 7/8).
Foram usadas para esse trabalho alguns elementos adicionais que continham alguma ligação com o canto dos pássaros escolhidos. Ao violão, por exemplo, coube a execução de arpejos que visavam reforçar as notas da melodia do Rouxinol do Japão. Foi adicionada uma seção de 12 compassos (8 + 4) de improvisos de flauta doce e flauta transversal, onde os músicos buscaram usar fragmentos retirados dos cantos de pássaro selecionados. 
Registro dos cantos dos pássaros

            O outro grupo da classe optou por realizar uma tarefa completamente diferente da escolhida por nós, resultando em uma composição feita com objetos do cotidiano.

Aula do dia 23 de Maio

Este encontro foi dedicado à segunda parte do livro – Musical ideas. Optamos por utilizar as ideias apresentadas nos projetos seis – A common store of melody (PAYNTER, 1992, p.77-86) – e a tarefa oito (PAYNTER, 1992, p.101-103, 110-114) do projeto oito – Re-inventing the grammar.

Susto
            Nos projetos seis e oito Paynter sugere o trabalho com haikais – pequenos poemas surgidos no Japão e incorporados a outras culturas posteriormente. Ele apresenta diversas formas de utilizar esses pequenos textos, mas todas se enquadram em duas categorias: uma que se utiliza do texto para criar uma linha melódica para a letra (PAYNTER, 1992, p.81-82); outra que faz uso das frases ou ideias presentes nas palavras do texto para dar uma forma (estrutura) para a peça a ser criada (PAYNTER, 1992, p.101-103, 110-114).
            Optamos nessa aula, por partir pela segunda categoria e criar uma peça cuja forma fosse definida pelas palavras e ideias do texto, de maneira que esse tivesse importância não só para criar sonoridades mais para sugerir uma forma para a obra.
            Escolhemos o haikai Carrilhão de Guilherme de Almeida:
Assusta-se e foge o
enorme tempo que dorme
no velho relógio.
            Inicialmente tentamos captar todas as informações sonoras que as palavras do texto poderiam sugerir, ficando um som para a palavra “assusta-se”, outro pra “tempo”, “dorme” e “velho relógio”. Definidas essas sonoridades, elas seriam a base sonora para a construção da peça.
            Em seguida pensou-se em questões como o “tempo” que é sugerido pelo texto e que se aproxima fortemente de uma questão musical, tanto que a palavra tempo existe em música para definir o pulso – beat. Entretanto, simultaneamente a isso, o texto sugeria a presença de um velho relógio, que analisamos como uma perda desse tempo. Um relógio que andava fora do tempo, sem uma métrica regular. Mas isso ainda não nos dava a forma da peça.
Foi nessa discussão que a palavra “foge” nos chamou atenção. Ela nos remeteu às fugas surgidas no período barroco e muito utilizadas por Bach. Como tínhamos pouco tempo para criar a peça e ensaiá-la percebemos que a ideia de construir uma fuga sobre o tema não seria possível. Optamos então por utilizar um dos princípios da escrita de fugas: o cânone.  
            Dispondo as sonoridades em uma sequência, optamos por apresentá-las inicialmente sozinhas de maneira que quem ouvisse a composição conseguisse identificar os temas que comporiam o cânone. Prosseguindo, cada integrante do grupo, com a mesma sequência de som executaria a peça em forma de cânone. Um dos integrantes começaria a sequência e o segundo só iniciaria quando o primeiro integrante entrasse no segundo tema sonoro. Assim se faria para a entrada de todos os integrantes do grupo.
Dessa forma o tempo de duração de cada tema sonoro, bem como sua entrada, seria condicionado pelo executante anterior, dando um caráter de liberdade no tempo e métrica da peça. Entretanto, após diversos ensaios e tentativas, o grupo não conseguia executar a composição por conta da dificuldade em lidar com a liberdade de tempo gerada pela estruturação da obra.
Para solucionar o impasse a Profa. Marisa sugeriu que realizássemos a composição com tempo e métrica bem definidas e só, posteriormente, retirar esses elementos. Assim fizemos até que todos entendessem a base estrutural de um cânone.
Outra dificuldade surgiu com relação às sonoridades escolhidas, pois para serem executadas exigiam dos intérpretes um esforço dramático, principalmente com relação à sonoridade pensada para a palavra “susto”. Tal fato trouxe a tona uma questão comum entre músicos intérpretes ou executantes: a expressividade e veracidade com que uma informação sonora deve ser passada.
Uma música só irá expressar o seu máximo potencial se for vivida em todos os sentidos por quem a executa. Não basta apenas a técnica; é preciso aquilo que o educador musical Jaques Dalcroze percebeu que seus alunos do conservatório suprimiam de suas músicas: o movimento, o corpo, a intenção.
Foi incluído um gesto para essa sonoridade o que auxiliou os integrantes do grupo na execução mais verdadeira da sonoridade exigida. Ao final, a composição foi executada nas escadas do Instituto de Artes o que permitiu uma transformação substancial no resultado sonoro da peça, pois a reverberação causada pelo vão das escadas produziu a ambientação sonora que não existia na sala de aula sem reverberação.
Finalizando a peça, cada integrante declamava um pequeno trecho do haikai, demonstrando de que lugar havia surgido todas aquelas ideias musicais e sonoras.


Registro gráfico da composição Susto

Neste mesmo dia, outro grupo de alunos do curso optou por construir uma composição baseada em ditos populares ou quadrinhas brasileiras. Buscando utilizar melodias criadas pelos próprios integrantes, sobrepuseram-nas criando uma malha sonora politonal, reforçada pela espacialidade utilizada pelo grupo de forma a destacar as dinâmicas da peça.

Aula do dia 30 de Maio

Aula ministrada pela Profa. Dra. Jéssica Mami Makino e pela Doutoranda Camila Valiengo

Dando continuidade ao pensamento criativo fomos desafiados pela professora Camila a explorarmos sons não esperados de instrumentos convencionais, a despertarmos nossos ouvidos em exercícios de audição e improvisação livre baseados nas ideias de Chefa Alonso.


Com instrumentos de percussão, cordas e sopro, cada aluno foi desafiado a improvisar realizando um solo, num segundo momento o colega ao lado se juntaria ao solo e fariam então um dueto, seguindo a proposta da improvisação iniciada. O primeiro aluno então finalizaria e o segundo realizaria o solo. Um terceiro, seguindo a sequência, se juntaria formando um dueto e assim por diante.
Como exemplo dessa proposta, o diálogo entre uma cuíca, um sax soprano e voz. É interessante observar neste trecho a percepção auditiva que é exposta pelos instrumentistas que se propõem a realizar essa atividade. Sem dúvida que no caso da turma éramos todos músicos e essa tarefa se faz, em grande parte, pelos conhecimentos adquiridos anteriormente. Entretanto nada impede que a tarefa ajude a não-músicos profissionais a elaborar, dentro de seus conhecimentos, um improviso interessante.
Justamente por se tratar de uma improvisação livre, a escuta e a criatividade se tornam elementos fundamentais, podendo ser desenvolvidas pela prática por qualquer pessoa.       


Num segundo momento foi proposta uma atividade em grupo de quatro pessoas, onde foram sorteadas poesias, uma das poesias utilizadas pelos integrantes do nosso grupo foi:

A lei do quão – Paulo Leminsky
Deve ocorrer em breve uma brisa que leve
Um jeito de chuva à última branca de neve
Até lá observe-se a mais estrita disciplina
A sombra máxima pode vir da luz mínima

O objetivo dessa tarefa era criar uma maneira de representar, por meio dos instrumentos e da improvisação, o conteúdo das palavras da poesia. Para isso teríamos 5 minutos para preparar a improvisação, 3 minutos para apresentar e 2 minutos para reproduzir o que outro grupo criasse sobre uma poesia diferente.


Exemplificando, a improvisação sobre um poema de Paulo Leminsky e posteriormente sua reprodução por outro grupo. Cabe destacar nesta gravação a releitura do improviso feito pelo primeiro grupo. O grupo que cria o improviso utiliza-se de temas conhecidos da vivência dos músicos – Está chovendo na roseira de Tom Jobim e melodia do filme A Branca de Neve – e no momento da releitura o grupo seguinte faz uso dos mesmos temas, porém mantendo padrões de altura e rítmico, deixando de lado o aspecto melódico dos temas. 
 
Na parte da tarde, sob orientação da Profa. Jéssica Makino, realizamos duas tarefas da segunda parte do livro Sound and Structure, uma partindo de formas criadas pelo homem para construir – projeto oito, tarefa um – ou dadas pela natureza – projeto 8, tarefa quatro.

Pirâmide sonora
  “Música da Pirâmide” teve como intuito partir de uma estrutura complexa e reinventar o sentido da construção das estruturas musicais. Partindo da imagem de uma pirâmide nos foi perguntado como ela foi construída. Partindo desse ponto, como poderíamos utilizar o mesmo processo para criar um processo de composição para uma música? O que a forma física de uma pirâmide depois de construída poderia sugerir musicalmente?
Cada grupo pensou em seu material sonoro disponível e, partindo da visualização plástica, buscou construir suas composições. O desafio dessa vez era outro, os grupos tinham a mesma tarefa e cada um deveria buscar seu próprio processo de criação.
Primeiramente pensamos em como representar musicalmente uma pirâmide, constatamos que através de instrumentos de sopro, de percussão e do piano poderíamos realizar a composição. Partimos de uma estrutura matemática. Giramos o sentido da pirâmide em 90º e assim os tijolos que comporiam os degraus dela foram pensados como notas cromáticas ascendentes e descendentes, respectivamente, de uma oitava à outra, sendo executadas por dois saxofones sopranos.
Como som fundamental que sustentava a pirâmide, a mesma nota da oitava inicial dos saxofones sustentada durante toda a música por um clarinete. O piano daria o clima laborioso da construção da pirâmide em estrutura de tijolos sobrepostos – clusters. E, como sonoridade característica do Egito, foram colocados instrumentos de percussão – pandeiro e bloco de madeira – realizando ritmo proveniente do derbak. 


Registro gráfico da música baseada no formato de pirâmide

Durante a apresentação das composições dos dois grupos a professora sugeriu que fosse feita uma representação gráfica daquilo que era ouvido, assim teríamos duas percepções da composição, uma gráfica e outra sonora.
 
Desenho 1 representativo da música da pirâmide

Desenho 2 representativo da música da pirâmide

Desenho 3 representativo da música da pirâmide
            O outro grupo resolveu utilizar de sons vocais para construir a sua pirâmide, demonstrando a versatilidade criativa das atividades sugeridas por Paynter. Dentro de uma mesma proposta, músicas com características completamente diferentes foram criadas, seja no sentido sonoro, de instrumentação, de textura ou de intenção musical. O ato criativo, nesse sentido, torna-se particular a cada grupo e situação; sempre criativo, re-criativo e re-re-criativo.


Desenho 1 representativo da música da pirâmide vocal

Desenho 2 representativo da música da pirâmide vocal

Aula do dia 06 de Junho

Aula ministrada pelo Prof. Dr. Fábio Miguel

Jogos vocais
·         Aquecimento corporal e vocal de maneira divertida: diversos exercícios para aquecimento do corpo e da voz por meio de atividades lúdicas.




·              1ª Atividade: o grupo deve escolher uma palavra e desenhar em uma folha as partes dessa palavra. A palavra pode ser desmembrada, cantada, recitada, transformada, manipulada vocalmente; usar apenas as consoantes, as vogais; inventar maneiras diferentes de reproduzir os sons dessa palavra. Depois que todos explorarem essa palavra em grupo a atividade deve apresentar essa exploração musical e o outro grupo deve descobrir que palavra foi escolhida pelo grupo.


Exemplo de composição com a palavra retumbante




·         Exposição de diversos áudios em que foi pedido que se identificassem as situações onde eles pudessem estar inseridos. Foram identificadas as seguintes situações:

  •          Rua 25 de março (anunciando pregões);
  •          Canção de trabalho (vocal renascentista, mouros, árabe;
  •          Ave-Maria (gravação do último castrato);
  •          Canto indígena (mulheres pigméias após o consumo de alucinógenos, imitando sons da natureza na floresta. Yodel);
  •           Konakol (técnica indiana);
  •          Árabe (muçulmano): ritual religioso, onde a repetição acelerada leva os indivíduos ao estado de êxtase; 
  •           Índios Kamayurá (ritual fúnebre);
  •           Canto de aboio
  •           Overtone sing (canto multifônico);
               Uso da voz para representar determinadas ações e/ou ambientes (barulho de uma pá removendo areia e um papel sendo amassado e jogado na parede)
             Construção vocal, em grupo, de um ambiente escolhido; ex: metrô, sala de concerto, hospital. Cada grupo representou vocalmente um local e os outros alunos tentavam adivinhar.



                Definição do termo “pregão” na visão do autor José Ramos Tinhorão em seu livro, Os sons que vem da rua (2005). Com essa definição, foi trabalhado conceito de pregão juntamente com um cânone chamado Londoner Strabenrufe, do compositor John Cobb.

Conversa ao final da aula
Na segunda parte da aula o professor Fábio falou sobre o livro Performance, recepção e leitura (2000) do autor Paul Zumthor, que trata da oralidade na Idade Média. Como fechamento da aula o Fábio falou sobre seu projeto de pesquisa no Doutorado, abordando diversos autores e fundamentando todas as atividades expostas e praticadas em grupo.
Paul Zumthor é um medievalista, poeta, romancista e estudioso das poéticas da voz e, talvez seja por essa última característica de suas pesquisas que o professor Fábio nos tenha apresentado a ele.
O professor conta que foi a experiência de Zumthor que levou o estudioso a pesquisar as manifestações vocais desde a idade média. Zumthor, quando criança, toda vez que saia do colégio, passava perto de algum lugar onde estava acontecendo uma apresentação com música, encenação, leitura. Anos mais tarde, quando ele foi procurar saber o que eram aquelas coisas de maneira separada percebeu que aquilo só fazia sentido naquela época e quando ocorria em conjunto.
Fábio falou ainda sobre a experiência de Luciano Berio com a vocalidade. Contou-nos que em uma entrevista Berio disse que, quando criança, ouviu o quarto movimento de La Boehme e à época nem imaginava o que era aquilo, mas que aquela experiência ficou tão marcada nele que fez com que o compositor, anos mais tarde, se dedicasse à escrita de música vocal de maneira profícua.
Segundo Fábio, todos esses exemplos servem para ratificar a questão de “a experiência é anterior a conceituação”. E de certa maneira, dependendo da intensidade da manifestação, ela poderá ficar marcada e se manifestar futuramente na vida da pessoa que a teve. Às vezes ficamos mediando a experiência que o indivíduo vai ter. Inibimos a pessoa por não achá-la preparada para entender aquilo, mas pode ser que a conceituação venha anos mais tarde.
            Fábio apresentou sua ideia de antropologia da voz. Segundo o professor, em qualquer lugar onde você vá existe a voz. A voz pode servir para estudar um povo, seus costumes e tradições.
Para ele, a voz é como um símbolo sonoro, termo que tem origem em “evento sonoro simbólico”, conceito presente no livro A afinação do mundo (2001) de Murray Schafer. Para o autor esses eventos são sons que nos levam além das sensações mais latentes. Quando se pensa na voz, pensa-se na questão da comunicação apenas, mas ela pode ir além. Segundo Fábio a voz tem a propriedade de transmitir mais que informações, mas também sensações e situações, como a sirene de um colégio ouvida anos depois que a pessoa saiu da escola. Aquilo não tem a mesma finalidade de anos atrás, mas trás uma sensação ou lembrança.
            Para o professor, quando você propõe jogos vocais, todas essas questões podem estar presentes na aula, mesmo que não seja dito ao aluno. Esses jogos vocais servem mais para preparar a audição do aluno para o que virá a seguir. Essa ideia vem da educadora musical Bernadete Zagonel, principalmente provenientes do artigo Um estudo sobre a Sequenza III, de Berio: para urna escuta consciente em sala de aula. Tal abordagem se aproxima muito das “chaves de escuta” apresentadas Reibel.
Outra referência de Fábio para criar seus jogos vocais é Murray Schafer que, principalmente no livro Educação sonora (2009), trata da questão dos jogos, vocais ou não. Além disso, o professor busca apoiar-se nas ideias de impressão (ouvir) e expressão (fazer) provindas de Schafer.
Da área de regência e canto coral o canadense Jean Barton é outra aporte. Muitas vezes encontramos alunos que não afinam. Segundo Fábio, ele propõe vários trabalhos de estímulo vocal de maneira que o aluno comece a usar a voz como ferramenta para se expressar musicalmente.      John Paynter é a última referência para os jogos vocais propostos pele professor. Como exemplo cita a última parte do livro Sound ans structure, em que partindo de uma estrutura clássica da música, propõe um trabalho de construção vocal. O que será o novo é a maneira como você vai usar sua fonte sonora e não a ferramenta estrutural, citando como exemplo a peça de Barnard Rans – Sound Patterns.
            Para Fábio, depois de vivenciar as experiências com jogos vocais, a próxima etapa é o professor começar a criar seus próprios jogos. O aluno não precisa saber por que está fazendo o jogo a princípio, mas o professor tem que saber a finalidade – as coisas que ele quer desenvolver no aluno.

Fábio no encerrou a aula dizendo:
“Eu não queria trazer nenhuma receita para vocês, mas um pensamento sobre a voz, a vocalidade, o uso da voz nos seus diferentes contextos; estimulá-los a pensar em jogos vocais [...]. Ter sempre a ideia de que não é pegar a receita e aplicar. É olhar, ver, analisar e discutir consigo mesmo aquela ideia e procurar, a partir disso, criar. [....] Os jogos vocais, na minha concepção tem se mostrado como uma maneira bastante interessante de pesquisa, de trabalho, exploração dos recursos vocais. [...] A ideia não é trabalhar a voz de cantor [...] mas, como Paul Zumthor fala: em qualquer sociedade em que você vá, você tem a manifestação vocal, tem a voz e você começa, então, penetrando nessa manifestação, a ter indicativos de como essa sociedade pensa, age, etc. Desafio vocês a construírem seus jogos vocais”.

Aula do dia 13 de Junho – Encerramento

Não encontramos maneira melhor de encerrar as descrições e reflexões deste portfólio do que com as próprias palavras da professora Marisa Fonterrada em diálogo com os alunos no encerramento do curso:

Sobre o curso e a turma  
Marisa Fonterrada: “ninguém é UM que sabe. Todo mundo sabe alguma coisa; é uma troca. [...] Eu vi que vocês são uma ‘comunidade de aprendizes’”.

Aluno: “Os primeiros exercícios que a gente fez com as palavras... [...] A gente vai aprendendo a lidar com isso.
MF: Primeiro tem um estranhamento.
A: Se você lembrar do que foi no começo e o que está aqui. [...] ...uma evolução absurda.
MF: não é sempre que isso acontece [...] é o fato das pessoas se permitirem tentar [...] tem que se entregar”.

Sobre a prática criativa e as experiências reflexivas do curso
MF: “Deixa só eu falar uma coisa: uma das coisas que eu lembro da Chefa sempre comentar sobre a improvisação livre é isso que cada uma traz a sua história, a sua experiência. Isso é muito legal, porque, realmente, quando você ouve, é uma coisa que está saindo na hora, mas a sua bagagem está ali. Então você ouve uns lances de jazz, de MPB, de música concreta. Você não se desliga de você mesmo. [...] Sempre vem à tona... é uma coisa tua”.

MF: “[...] a sua experiência musical se reflete na qualidade, senão a gente tende a pensar que é uma coisa que todo mundo faz; é fácil pra todo mundo. O acesso é fácil, mas a competência musical vem com o trabalho e esse trabalho não pode ser desvinculado do trabalho que você tem mesmo; de suar em cima do instrumento pra adquirir técnica. Pra gente não ficar pensando que de repente joga tudo fora... ficar repetindo é uma chatice... [...] e não é por aí. Aí que é a habilidade do professor de saber que hora que ele tem que sistematizar, repetir coisas. Como em uma escola de línguas, que você tem tantos exercícios chatos de repte, repete, repte... pra aprender a estrutura, antes de poder dominar a língua e falar o que bem entende; não pode esquecer disso.
É muito fácil se resvalar para o lado contrário e achar que é só criar... Como vocês já são músicos é só criar mesmo. O resto está pronto; estão, dá o estímulo vem. Mas, às vezes, o trabalho que vocês tem com alunos de outros níveis, você tem que se deter... por exemplo, vou trabalhar sobre trinado, mas o carinha não sabe fazer trinado... então, como ele vai desenvolver esse trinado? Às vezes isso demora um mês. Você tem que ter habilidade para ir misturando... fazendo improvisações com coisas que ele é capaz de fazer, com alguma dificuldade que ele consegue transpor e, paralelamente trabalhando outras coisas que às vezes demoram mais pra ser adquiridas.
Isso que eu sinto que está faltando nos discursos. Ou a pessoa fica muito na retaguarda e só faz coisas muito técnicas, como interpretação de música pronta, ou então você cai no outro discurso que é meio irreal... você faz um monte de improviso, mas não sai daquele nível; não consegue, musicalmente, avançar. [...] Você não consegue se desligar de fazer exercício de bater [batendo pé e palmas em um ritmo]. Porque se eu não sei o que é pé esquerdo, pé direito, se eu não seu bater palma no ritmo, tem que fazer pra aprender. Isso é básico na música; não é reinventar a música.
Eu acho que tem uma diferença entre não alcançar e superar. Por exemplo, ele não sabe fazer pulsação... ele faz torto, se engana, não consegue imaginar o tempo... ou então, faz três [três batidas de palma], espera três [três tempos de contagem mental]... são exercícios extremamente difíceis porque dá uma ansiedade, bate em qualquer lugar; tem que aprender isso. Outra coisa é superar. Todo mundo já aprendeu pulsação? Todo mundo consegue fazer subdivisão? Sabe fazer pausa do tamanho da batida? Então, agora, isso você já dominou. Agora vamos mudar; vamos pra frente. Vamos misturar coisas, inventar coisas que não estavam previstas. Esse é o papel do professor. E, também, acreditar muito na capacidade do aluno, porque ele tem uma história; ele tem experiências que ele traz dele mesmo. Ele pode não ter algumas informações que você tem e que são importantes. [...] Ele tem uma outra história. [...] Aprender a ouvir em todos os sentidos”.